terça-feira, 21 de agosto de 2012

Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (3)

Papel social (e político) da Igreja, hoje...

Meu caro Bispo, D. António Marcelino.

Temos vindo a referir a importância da Igreja repensar o seu papel evangelizador, a necessidade de se reestruturar como comunidade de Cristo e em Cristo (seja do ponto de vista clerical, seja no envolvimento dos leigos).
Ao contrário do que D. José Policarpo afirmou, em junho passado, em Fátima, na divulgação das jornadas pastorais dos bispos católicos sobre a reflexão dos 50 anos do Concílio Vaticano II – “A Igreja não tem que andar ao ritmo da mudança do Mundo”, entendo que a Igreja tem por missão (dever e obrigação) andar à frente das mudanças do mundo, sob pena de não dar resposta a muitas das solicitações, anseios e preocupações dos seus crentes. De correr o risco de deixar de ser referência para muitos dos católicos e afastá-los da vivência na Fé.
Isto não significa que a mensagem, como refere D. José Policarpo, perene de Cristo tenha deixado de ter valor ou esteja desvirtuada. Entendo precisamente o contrário. Aliás, entendo que não é preciso um novo concílio, bastando para isso que o Concílio Vaticano II (em todos os seus documentos) seja definitivamente aplicado e vivido na plenitude, com as devidas adaptações que 50 anos de muitas mudanças provocaram na sociedade e na Igreja.
Acho que a mensagem de Cristo e da Igreja, actualizada e adaptada aos desafios que o Mundo lança, cada vez mais, de forma insistente e premente, só fortalece o sentido missionário e evangelizador dos valores cristãos. Nomeadamente no que respeita ao papel (também) social que a Igreja desenvolve no seio das comunidades em todo o mundo. E atrever-me-ia a acrescentar ao papel social e político (não partidário, entenda-se) da Igreja na sociedade de hoje.
E reforço a questão social e política da Igreja porque ela é, cada vez mais, importante e tem sido uma referência constante. Mesmo que, face à realidade económica, social e cultural que hoje vivemos, ela preconize alguns dos princípios de esquerda, porque a Igreja, de facto, na sua vertente social é uma Igreja de “esquerda” (e não me refiro apenas à “alcunha de bispo vermelho” do Bispo Emérito de Setúbal, D. Manuel Martins), isto por mais que custe aos seus crentes defensores de uma economia liberal ou, até, neo-liberal.
Se no aspecto dogmático a Igreja está distante de qualquer conceito político (e deve estar), no que respeita à sua missão evangelizadora ela, como Cristo, “vive” para os que pecam, que não encontram o caminho de Cristo, para os “tresmalhados”… mas igualmente para os oprimidos, para os que sofrem, para os que são espezinhados, para os mais desfavorecidos, para os pobres, para os explorado.
Aliás, nestes últimos dois meses têm sido evidentes estes sinais de intervenção social e política (mesmo que a título individual, embora ninguém se possa desassociar da sua condição clerical) por parte de vários prelados portugueses.
As “hostilidades”, as denúncias, as críticas, o exame de consciência, foram iniciadas com as polémicas declarações de D. Januário Torgal Ferreira, apesar de entender que foi mais o excesso que a razoabilidade ao não apontar e explicitar os factos (já para não dizer: “ao não denunciar a quem de direito”): “Eu não acredito nestes tipos, em alguns destes tipos, porque são equívocos, porque lutam pelos seus interesses, porque têm o seu gangue, porque têm o seu clube,porque pressionam a comunicação social, o que significa que os anteriores, que foram tão atacados, eram uns anjos ao pé destes diabinhos negros que acabam de aparecer”.
Já D. Manuel Martins, em relação ao novo Código do Trabalho (que entro em vigor no passado dia 1 de agosto), afirma que é urgente uma mudança de atitude e, até mesmo, uma “explosão de rua”. O Bispo Emérito de Setúbal, sempre muito próximo desta missão social da Igreja, critica a reforma laboral como espelho de uma sociedade cada vez mais materialista e de uma sociedade cada vez mais desumana, quer em Portugal, quer na Europa: “Nós sabemos que o grande deus desta Europa é realmente o deus dinheiro encarnando isso na Alemanha. Mas é a Alemanha, o sistema bancário, os grandes ricos que movem o mundo. Esse Código do Trabalho é uma emanação perfeita desse deus dinheiro, desse deus capitalista que manda no mundo e que engorda à custa do emagrecimento dos outros”.
Também D. Jorge Ortiga, no festival da Juventude, lançou fortes críticas ao poder político actual, condenando a incapacidade deste em saber responder à crise que o país atravessa: “Para eles [os políticos], muitas vezes e quase sempre, vale apenas o bem-estar pessoal ou, quanto muito, do seu grupo ou partido”. Aliás, o Arcebispo de Braga e Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, pouco depois defenderia ainda um outro caminho para a saída da crise por recear que os cidadãos, as famílias e as empresas não consigam aguentar mais medidas de austeridade, questionando mesmo se uma política centrada em medidas de austeridade será o único caminho para o país sair da crise: “O povo português está demasiado sobrecarregado. Diariamente, assistimos ao aumento do custo da água, da electricidade, dos transportes, da restauração e isto torna o rosto de Portugal um pouco sombrio”. Para acrescentar ainda:Será este o único caminho? Interrogo-me muitíssimas vezes. Penso que talvez não seja.Agora, se o caminho é o de renegociar ou agir de outra maneira, é inventar formas de uma nova economia que proporcionem um outro desenvolvimento, uma capacidade de resposta aos reais problemas, penso que isso é absolutamente necessário”.
É esta a Igreja missionária, não só evangelizadora, mas crítica e atenta à sociedade e que dá respostas concretas às necessidades dos seus crentes. É esta a pastoral social que emana da mensagem de Cristo, que desceu dos céus para cuidar dos que sofrem, dos que pecam, dos doentes, dos pobres e dos desprotegidos.
É esta também a Igreja que, contrariando a expressão de D. José Policarpo, se preocupa e se adapta às novas realidades sem deixar de condenar, como refere D. Ilídio Leandro, Bispo de Viseu, uma sociedade portuguesa cada vez mais desigual: “A construção da justiça tem que partir sempre daqueles que estão numa situação de privilégio, do facto de reconhecerem que a justiça passa por partilhar com aqueles que não têm ou têm menos”.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

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