sábado, 6 de outubro de 2012

Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (7)

A Palavra de Deus também é resposta social

Meu caro Bispo, D. António Marcelino
Permita-me que “deturpe” o contexto das suas palavras no seu artigo “Descoberta diária da palavra de Deus”, publicado na edição do dia 3 de outubro do Correio do Vouga, para me referir ao cuidado que acho necessário e importante que a Igreja, nomeadamente o seu episcopado, tenha na forma como comunica e aborda a realidade social e económica actual que o país atravessa.
A Palavra, como refere, é, de facto, relevante na essência eucarística, ao ponto do Concílio Vaticano II lhe ter dado outra dimensão e expressividade, alargando o seu alcance e acesso aos crentes e reforçando a importância da formação clerical nesta área. Até porque, desta forma, a mensagem evangelizadora de Cristo teria muito mais impacto na vida da Igreja, das comunidades, da família e, individualmente, em cada um de nós. E quão importante é para a missão da Igreja lembrar que Cristo libertador, por vontade de Deus Pai que “transformou” o verbo em carne, se sentou à mesa com os pecadores, curou os doentes, alimentou os mais pobres. Assim como hoje ainda é, felizmente, o essencial da pastoral social da Igreja: as Misericórdias, a Cáritas, as Conferências Vicentinas, as inúmeras IPSSs, por exemplo, o papel da “nossa” Florinhas do Vouga.
O Papa Bento XVI, no final do passado mês (ainda há uma semana), na sua oração do Angelus alertava para a necessidade da “riqueza ser usada para o bem comum, numa perspectiva solidária”, a propósito da guerra civil no Congo. É indiscutível que as palavras proferidas pro Sua Santidade possam ser, obviamente, alargadas a todas as circunstâncias onde a economia prevalece sobre o ser humano e a sua dignidade.
Concretamente em Portugal, esta é uma altura em que a Igreja neste “tempo e momento concreto, deve anunciar a justiça, a solidariedade (…), sobretudo, numa atenção muito grande e aos mais desfavorecidos, procurando levar a todos a mensagem de Jesus Cristo” (a tal importância da Palavra, como o meu caro Bispo refere no seu artigo desta semana) usando as interessante palavras do Bispo de Viseu, D. Ilídio Leandro, nas celebrações do seu 6º aniversário da ordenação episcopal (22 de julho 2012).
Mantendo a dúvida que persiste quanto à realidade e ao significado político da Igreja Social (Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (3)) não deixa de ser relevante e de suprema importância o papel social desenvolvido pela Igreja neste contexto de crise que o país atravessa. Já assim o era noutras circunstâncias, muito mais relevante se torna agora. Basta estarmos atentos aos apelos e mensagens, por exemplo, do Presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio da Fonseca (“Cáritas teme ruptura na ajuda aos mais carenciados”) ou do Director da Pastoral Sócio-caritativa do Patriarcado de Lisboa, Cónego Francisco Crespo ("Se as IPSS da Igreja fechassem portas por um dia o país parava").
Por isso, meu caro D. António Marcelino, é com alguma estranheza que o cuidado com a Palavra, enquanto suporte da missão evangelizador da Igreja, não seja o mesmo cuidado que a Igreja, e os seus responsáveis, devam ter nas questões sociais (e “mundanas”). Daí que não compreenda que o Cardeal Patriarca, D. José Policarpo tenha afirmado, em entrevista à Renascença, que “os portugueses são em parte responsáveis pelo que se está a passar, porque têm um conceito de vida em comunidade em que o Estado tem obrigação de tudo. Pedem-lhe tudo”.
Primeiro porque é desresponsabilizar o Estado do seu papel social, do cuidado que deve ter com a Segurança Social, com o emprego, com a saúde, a educação, a justiça, com a água e os transportes. Dizer que isto não é a obrigação do Estado é reduzir a responsabilidade do mesmo apenas ao controlo, à fiscalização e à regulação do país (o que no mínimo é perigoso). Por outro lado, não são os portugueses que, de forma despesista, vão esbanjando os dinheiros públicos, quando, na maioria dos casos, nem sabem para onde vai os impostos que pagam.
Mas o mais inquietante é que as palavras de D. José Policarpo têm, perigosamente, um outro verso da medalha: o virar o feitiço contra o feiticeiro.
Se há instituição, entidade, que mais benefícios tem tido, mais privilégios tem tido, do Estado é a Igreja Católica. Repare que na recente avaliação das Fundações não há uma única de cariz religioso. Enquanto são exigidos, mês após mês, sacrifícios incompreensíveis e inaceitáveis aos cidadãos (ainda esta semana, o ministro das Finanças anunciou mais um agravamento da carga fiscal) a Igreja continua a beneficiar de regalias fiscais, por exemplo, em sede de IRC e IVA.
É evidente que o papel que a Igreja e as suas instituições têm tido na substituição do Estado no papel social no país tem sido notório e uma “tábua” de salvação para muitos portugueses (como se sabe dos mais variados ‘estratos sociais’ e qualificações). Mas também é certo que a Igreja e muitas Instituições têm sido privilegiadas na sua relação com o Estado. Daí que muitos se interroguem, tal como o Papa Bento XVI, que a riqueza (que é muita) da Igreja, nestes tempos difíceis deveria ser colocada ao serviço das comunidades e dos povos.
Assim, como é difícil perceber, nos dias de hoje, que seja construída uma Igreja, com fundos particulares é certo, em Viana do Castelo que custe 3 milhões de euros. Será que a campanha que foi usada para a angariação dos fundos para a construção da igreja teria o mesmo sucesso se fosse usada no âmbito social e para ajuda aos mais carenciados? Tenho dúvidas, para não lhe dizer já que não.
E não me parece que seja esta a Igreja de Cristo, a que vivemos domingo após domingo, a que está na nossa mesinha de cabeceira, a que desfolhamos na Palavra de Deus, tão importante para o alicerce dessa mesma Igreja.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

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