O sentido das coisas...
Meu caro Bispo D. António Marcelino
Meu caro Bispo D. António Marcelino
Estava para me referir à questão da educação e das escolas
católicas, mas o Evangelho da celebração eucarística deste Domingo (22º Domingo
do tempo comum) suscitou-me outro tipo de reflexão que gostaria de partilhar.
A passagem do Evangelho segundo S. Marcos (Mc
7,1-8.14-15.21-23) revela-nos duas mensagens fortes.
A primeira mensagem refere-se à importância do nosso
interior, daquilo que valemos por dentro, a capacidade que temos para
deixar-nos invadir pelo Espírito Santo e pela mensagem de Cristo. Muito mais
importante do que a que damos demasiadas vezes, excessivas até, ao exterior, às
aparências, às falsas imagens e realidades.
A segunda, a que me levou a escrever estas linhas, tem a ver
com a questão das tradições, da lei (Torah), das regras, dos mandamentos (o Decálogo
de Moisés), etc. Mais próximo dos nossos tempos, esta segunda questão poderá
ter a ver com os ritos, com os procedimentos, com o catecismo, com os costumes,
com o próprio Código de Direito Canónico, com as Encíclicas, com os Concílios.
E neste campo, recordo os seus textos, publicados no Correio
do Vouga, em que dissecou vários aspectos relacionados com o Concílio Vaticano
II, neste seu quinquagésimo aniversário.
Tenho alguma dificuldade em decidir entre a necessidade de
um novo Concílio ou a aplicabilidade, a vivência prática, do Concílio Vaticano
II (mesmo que com necessárias readaptações). Mas há uma certeza que tenho. A
Igreja, seja a clerical, a laica, a estrutural ou a missionária, tem uma
necessidade urgente de se renovar e de se reestruturar.
Tal como a segunda imagem que tenho do Evangelho de S.
Marcos, parece-me ser fundamental que a Igreja se renove, repense as suas
tradições e ritos. Se torne mais viva e mais perto da sua missão
evangelizadora. No fundo, que se torne mais próxima dos crentes e das pessoas.
Basta olhar para alguns exemplos para se perceber esta
realidade, meu caro Bispo. Que sentido se dá ao Baptismo, à primeira-Comunhão,
ao sacramento do Crisma? Por uma questão social, para se poder ser padrinho ou
madrinha no futuro, para não se ter “chatices” com o Pároco na altura do
casamento?
Mesmo na divisão mais simples da Eucaristia, nas duas partes
principais (Liturgia da Palavra e Rito Sacramental) questiono-me quantos dos
que se deslocam à “Casa do Senhor” perceberão o seu significado e que sentido
tem para as nossas vidas? Quantos não repetem, semanalmente, rito após rito,
decorados ao sabor de uma catequese instrutiva e não educativa ou formativa,
sem a noção do significado concreto de cada acto.
E não é só em relação aos crentes. O próprio clero transmite
esta imagem de vazio da ritualidade e da espiritualidade que lhe está inerente.
Por exemplo, a Liturgia da Palavra (a dominical, principalmente) tem duas
leituras (antigo testamento e novo testamento excluindo os evangelhos), um
salmo responsorial e uma passagem do Evangelho. São raras as homilias em que se
realça o Salmo e, embora não tão raramente, são muito poucas as homilias que
transmitem alguma mensagem da leituras. Normalmente, apenas é realçado o
Evangelho. Daí que no final de cada Eucaristia seja lógico que a memória das
pessoas se fixe no Evangelho e esqueça todas as outras leituras.
Por último, parece-me que é chegada a altura da Igreja rever
muito da sua ritualidade, repensar a espiritualidade inerente a muitos dos
actos e ritos.
Tal como o Evangelho deste 22º Domingo do Tempo Comum nos transmite
o mais importante é o que se sente, o que se vive, a interioridade. Mais
importante que o que se repete, o que se faz, o vazio dos actos.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.
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