segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (4)

O sentido das coisas... 
Meu caro Bispo D. António Marcelino

Estava para me referir à questão da educação e das escolas católicas, mas o Evangelho da celebração eucarística deste Domingo (22º Domingo do tempo comum) suscitou-me outro tipo de reflexão que gostaria de partilhar.
A passagem do Evangelho segundo S. Marcos (Mc 7,1-8.14-15.21-23) revela-nos duas mensagens fortes.
A primeira mensagem refere-se à importância do nosso interior, daquilo que valemos por dentro, a capacidade que temos para deixar-nos invadir pelo Espírito Santo e pela mensagem de Cristo. Muito mais importante do que a que damos demasiadas vezes, excessivas até, ao exterior, às aparências, às falsas imagens e realidades.
A segunda, a que me levou a escrever estas linhas, tem a ver com a questão das tradições, da lei (Torah), das regras, dos mandamentos (o Decálogo de Moisés), etc. Mais próximo dos nossos tempos, esta segunda questão poderá ter a ver com os ritos, com os procedimentos, com o catecismo, com os costumes, com o próprio Código de Direito Canónico, com as Encíclicas, com os Concílios.
E neste campo, recordo os seus textos, publicados no Correio do Vouga, em que dissecou vários aspectos relacionados com o Concílio Vaticano II, neste seu quinquagésimo aniversário.
Tenho alguma dificuldade em decidir entre a necessidade de um novo Concílio ou a aplicabilidade, a vivência prática, do Concílio Vaticano II (mesmo que com necessárias readaptações). Mas há uma certeza que tenho. A Igreja, seja a clerical, a laica, a estrutural ou a missionária, tem uma necessidade urgente de se renovar e de se reestruturar.
Tal como a segunda imagem que tenho do Evangelho de S. Marcos, parece-me ser fundamental que a Igreja se renove, repense as suas tradições e ritos. Se torne mais viva e mais perto da sua missão evangelizadora. No fundo, que se torne mais próxima dos crentes e das pessoas.
Basta olhar para alguns exemplos para se perceber esta realidade, meu caro Bispo. Que sentido se dá ao Baptismo, à primeira-Comunhão, ao sacramento do Crisma? Por uma questão social, para se poder ser padrinho ou madrinha no futuro, para não se ter “chatices” com o Pároco na altura do casamento?
Mesmo na divisão mais simples da Eucaristia, nas duas partes principais (Liturgia da Palavra e Rito Sacramental) questiono-me quantos dos que se deslocam à “Casa do Senhor” perceberão o seu significado e que sentido tem para as nossas vidas? Quantos não repetem, semanalmente, rito após rito, decorados ao sabor de uma catequese instrutiva e não educativa ou formativa, sem a noção do significado concreto de cada acto.
E não é só em relação aos crentes. O próprio clero transmite esta imagem de vazio da ritualidade e da espiritualidade que lhe está inerente. Por exemplo, a Liturgia da Palavra (a dominical, principalmente) tem duas leituras (antigo testamento e novo testamento excluindo os evangelhos), um salmo responsorial e uma passagem do Evangelho. São raras as homilias em que se realça o Salmo e, embora não tão raramente, são muito poucas as homilias que transmitem alguma mensagem da leituras. Normalmente, apenas é realçado o Evangelho. Daí que no final de cada Eucaristia seja lógico que a memória das pessoas se fixe no Evangelho e esqueça todas as outras leituras.
Por último, parece-me que é chegada a altura da Igreja rever muito da sua ritualidade, repensar a espiritualidade inerente a muitos dos actos e ritos.
Tal como o Evangelho deste 22º Domingo do Tempo Comum nos transmite o mais importante é o que se sente, o que se vive, a interioridade. Mais importante que o que se repete, o que se faz, o vazio dos actos.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

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