Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Há algum tempo que não lhe escrevia. Nem de
propósito… para uma despedida. Não sei, não acredito, apesar das circunstâncias
futuras, que seja a última epístola. Não o será, certamente. Mas esta sexta
carta tem um sabor “amargo”. Ou, se quiser, D. António, um misto de desgosto e de
satisfação. Em todos nós, seja em que área for, a vida reserva-nos sempre “alguém”
que nos marca, que é para nós referência. Sabe-o bem que, por múltiplas razões
e circunstâncias, o D. António Marcelino foi (e ainda o é também) o “meu”
Bispo. Nunca o escondi. Nunca lho escondi.
A verdade, caro D. António Francisco, é que há também
sempre alguém que, mesmo em circunstâncias diversas, surge na vida que nos
rodeia com uma capacidade (dom) ímpar: saber ser referência, tornar-se numa
nova referência e marcar-nos igualmente, sem que muitas vezes saibamos como ou quando.
A pouco e pouco, sem a pretensão de substituir ninguém mas sim de complementar
alguém, o D. António Francisco foi tornando-se o Bispo de um aveirense crente
(rara e preguiçosamente praticante, mas sempre crente mesmo que crítico).
Tal como o D. António Marcelino dizia, “a vida
também se lê” (e este “ler” tem o sentido pleno da abrangência) … mas a vida tem
o dom de ser generosa e madrasta. Generosa, ao permitir que alguém com uma
humildade contagiante, com uma visão da doutrina social da Igreja muito
particular, com uma capacidade apostólica distinta, um dignificante sentido
pastoral. Madrasta, porque não há justiça quando, ao fim de cerca de 7 anos de
episcopado os aveirense se veem privados do “pastor” que tanto acarinharam e
tão bem souberam receber. Não colhe a expressão banal de que “ninguém é insubstituível”. Não colhe e
não é verdadeira. Há, na vida, pessoas insubstituíveis. Poderão não o ser na
função, mas serão, claramente, no desempenho e na missão. Se assim não fosse (e
que me perdoe o Episcopado Nacional) a Nunciatura Apostólica teria optado por
um outro Bispo qualquer para substituir o 75º Bispo da Diocese do Porto, D. Manuel
Clemente. Mas não… tiveram de vir a Aveiro busca-lo a si, D. António Francisco.
E não terá sido por acaso e, neste caso, nem acredito (passe a blasfémia) que
terá sido “obra e graça do Espírito Santo”. Foi porque são indiscutíveis as
suas capacidades pastorais para enfrentar os desafios de uma diocese com uma
dimensão social, política, cultural e religiosa como a do Porto. Isso, por mais
que nos custe a nós, aveirenses, é indiscutível e inquestionável. Se quiser… dogmático.
O que não deixa de ser, obviamente, injusto. Sinceramente, não é algum
eventual sentido de “traição” ou de “desrespeito” que alguns dos crentes
aveirenses possam sentir por este seu sim à decisão da Nunciatura que me aflige.
Sei que isso nunca esteve presente. No fundo, as “mudanças de casa” são, na
vida pastoral do clero, o mais normal. O que me preocupa é que raramente a
história se repete e renova os mesmos efeitos. E como eu acredito que há “insubstituíveis”,
receio profundamente que o futuro crie um vazio na igreja aveirense. Perder,
num período tão recente, dois Bispos não será fácil para a Diocese de Aveiro
superar esta “travessia do deserto”. Ficaram em nós as suas marcas pastorais da
Missão Jubilar, a celebração dos 75 anos da restauração da Diocese, os vários
momentos diocesanos como as recentes jornadas de formação. Ficaram entre nós as
suas marcas sociais com os mais desfavorecidos e excluídos, a relação com a
juventude e a vida académica, o sentido da oração. Os aveirenses, D. António,
viveram muitas horas consigo e saberão, apesar da mágoa, Viver (também) esta
Hora! Dificilmente esqueceremos as suas palavras: “a Igreja deve ser lugar de
esperança para o mundo e porta aberta aos que procuram Deus”. A Todos…
independentemente da sua condição, da sua vivência, do quanto e como acreditam
em Cristo e da forma como O vivem. Congratulo-me, caro D. António Francisco por
levar para o Porto o mesmo lema episcopal que trouxe e viveu em Aveiro: In
Manus Tuas. Significa que os aveirenses souberam dignificar a sua
missão episcopal recebendo-o de mãos abertas e, ao mesmo tempo, depositando-nos nas suas mãos
apostólicas.
A Diocese do Porto ganhou muito… mas não nos
queiram convencer do contrário porque nós perdemos quase tudo.
Só não perdeu um “crente” que continuará a olhar
(mesmo que mais longe) para o Seu Bispo.
Por
Cristo, com Cristo e em Cristo.
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