terça-feira, 6 de maio de 2014

"Epístola" de um crente ao ‘seu’ Bispo (10)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Este domingo último, para além da celebração do Dia da Mãe (“retirado” ao antigo 8 de dezembro, data que seria mais católica), teve uma particularidade, do ponto de vista pessoal (entenda-se). A celebração litúrgica apresentou-nos, no Evangelho (Lc 24,13-35), a passagem que retrata o (re)encontro dos discípulos de Emaús com Cristo Ressuscitado. E digo particularidade do ponto de vista pessoal porque esta é a referência do Evangelho onde me inspirei para “titular” este espaço de reflexão próprio, onde vou depositando as cartas que, com todo o gosto, vou endereçando a si, D. António Francisco. Com esta veleidade de lhes chamar “epístolas” (no sentido de carta, missiva). Qual a razão de tão apego próprio a esta passagem dos Evangelhos (ao caso, o de S. Lucas), quando há tantas outras e tão, ou mais, valiosas mensagens? São três as razões, essencialmente.
Primeiro, a vida constrói-se caminhando também por caminhos com altos e baixos, com curvas, com pisos degradados e esburacados. Curiosamente, o caminho que os discípulos tomavam era precisamente o contrário onde os recentes “acontecimentos” tinham ocorrido (em Jerusalém, onde Cristo tinha sido sepultado e ressuscitado).
Segundo, todo o caminho que percorremos tem uma certeza: Cristo caminha ao nosso lado, mesmo que não O vejamos, mesmo que caminhemos em sentido contrário, mesmo que não O reconheçamos nas pequenas coisas, na calçada, em cada pedra ou curva. Mas Ele está lá sempre. É a “mão” que nos guia, mesmo no ‘escuro’ ou no caminho mais difícil.
Depois, é neste caminhar ao lado de Cristo que Ele se vai revelando, se vai dando a conhecer, se anuncia, a cada passo que damos, em cada gesto que fazemos e recebemos, em cada rosto com que nos cruzamos, a cada olhar que se cruza com o nosso, a cada palavra que proferimos.
De toda a mensagem dos Evangelhos, mesmo a mais catecúmena como as Bem-Aventuranças ou as mais dogmáticas como Última Ceia, a Crucificação e a Ressurreição, esta passagem dos Discípulos de Emaús é das que mais se aproxima com o nosso dia-a-dia, com o crermos ou não crermos que Cristo Ressuscitou para caminhar ao nosso lado, para que possamos contar sempre com a sua presença, com a sua libertação, com o seu perdão.
A Fé não tem medida, não tem escala, uma régua e um compasso, um fio-de-prumo para nivelar. A Fé tem vivências próprias, individuais, constrói-se na relação pessoal e na ligação que sabemos (como sabemos) ter com Cristo e com Deus, com mais ou menos manifestações comunitárias. Mas a Fé tem uma certeza: só é realidade e só se constrói se soubermos descobrir que Cristo caminha sempre ao nosso lado, seja qual for o caminho que nos leva a Emaús. Curiosamente, uma localidade que, supostamente, nem existia. O que significa que, mais do que um destino, será sempre um caminho sem fim, mas com um objectivo que cada um saberá delinear e estabelecer. 
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

domingo, 20 de abril de 2014

"Epístola" de um crente ao 'seu' Bispo (9)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Saudações fraternas em Cristo Ressuscitado.
Em fevereiro, na sexta “epístola”, a propósito do anúncio público da sua ida para a Diocese do Porto, escrevi, na parte final da carta: “não perdeu um “crente” que continuará a olhar (mesmo que mais longe) para o Seu Bispo”. Prometido é devido.
Este é o momento do calendário litúrgico mais expressivo e relevante na Igreja. Não menosprezando a importância do Advento e do Natal, é a Morte a Ressurreição de Jesus Cristo que simbolizam o paradigma da fé. Aliás, é a própria Eucaristia que nos lembra isso mesmo após a Consagração: “Eis o Mistério da Fé”. Se bem que o uso litúrgico da palavra “mistério” se me afigure como um paradoxo, já que a morte e ressurreição são as verdades e as realidades da nossa fé. São, simultaneamente, o fim e o princípio. O fim da missão de Jesus entre os homens (o processo de evangelização e salvação) e o fim da nossa vida terrena; e o princípio de uma “nova vida” em espírito (e com o Espírito Santo), com Deus (sentado à direita do Pai, no reino que não terá fim), com a Igreja (alicerçada nos primeiros apóstolos e nas primeiras comunidades). Mas a morte e a ressurreição são também o dogma da libertação e da salvação. Neste sentido, mais paradoxo se afigura a forma como a maioria (quase a totalidade) dos católicos vive esta quadra quaresmal e pascal. A Quaresma e a Páscoa - com a Paixão e a Ressurreição, o sentido comunitário da Eucaristia e a edificação, sobre Pedro, da Igreja - são motivos mais que suficientes para celebrarmos, com alegria, esperança e sentido de mudança, a liberdade e a salvação em Cristo. São razões mais que suficientes para, mesmo ao percorrermos o Calvário e vermos Cristo pregado numa cruz, nos regozijarmos, nos alegrarmos, deixarmos de viver este período com um cinzentismo injustificável, porque na libertação (através da Ressurreição) sabemos que Cristo estará sempre ao nosso lado, seja qual for o nosso “Caminho de Emaús”.
Bem sei, caro D. António Francisco, que, apesar desta alegria na libertação e salvação, o caminho (que se faz caminhando) não é fácil, não é direito, não é plano. Tem uma “cruz” pesada. E a dos últimos anos, para um significativo número de portugueses, tem sido bastante pesada. Permita-me, D. António Francisco, recordar um dos pontos altos da sua mensagem à Diocese do Porto: o combate urgente à pobreza, a solidariedade para com os mais necessitados. Sem demoras. Porque é esta pobreza; o desemprego; a emigração; as dificuldades porque passam milhares de famílias, as crianças e os idosos; a perda da dignidade humana; a degradação do tecido social; a desvalorização do valor e do papel do trabalho; são estas realidades que vão carregando a cruz de cada Quaresma e Páscoa que se vivem e se avizinham.
Daí que relembre, mais uma vez, quer a sua homilia na sua chegada à Diocese do Porto, quer na entrevista que concedeu à RTP2 e conduzida pelo camarada (no sentido profissional) João Fernando Ramos: os católicos têm o dever acrescido de se envolverem e responsabilizarem na sociedade e na política. Aos diocesanos do Porto, o “meu” Bispo exortou a serem mensageiros e protagonistas das Bem-Aventuranças, porque o Evangelho, a sua mensagem e os seus princípios, é tudo o que somos e vivemos enquanto católicos.
E se com esta certeza, mais a fé que nos emana da libertação e salvação presentes na Morte e Ressurreição de Cristo, os católicos fossem mais activos, mais responsáveis, mais presentes na sociedade e na política, garantidamente teríamos um mundo mais digno, uma economia mais humana, uma política e governação mais sociais. Teríamos uma realidade da vida garantidamente alicerçada nos quatro principais princípios da Doutrina Social da Igreja: a dignidade humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade. E mais uma vez relembro as suas palavras, D. António Francisco, “o Evangelho é tudo o que temos e somos”, para recordar os exemplos do Evangelho que ilustram a Doutrina Social da Igreja referidos por D. António Clemente, no livro “Diálogo em tempo de escombros”, partilhado com o jornalista José Manuel Fernandes: a parábola do “Bom Samaritano”, do “Filho Pródigo”, dos “Talentos”, entre outras. A razão da ausência dos católicos da vida social e política das comunidades e do país é que confrontados com a realidade da vida e com a Doutrina Social da Igreja (marcadamente de “esquerda”) refugiam-se no comodismo, no alinhamento com o sistema, no não assumir a condição de católico na sua plenitude, tal como Cristo a viveu desde as Bodas de Caná até ao Calvário: com os pobres, os marginalizados, os excluídos, os pecadores. Tal como muitos viraram as costas, O negaram, desviaram o olhar, mostraram-se indiferentes, perderam a fé e deixaram de acreditar, desde a condenação de Cristo até à sua cruxificação, passando pelo caminho até ao Calvário.
O problema é que professamos o que não vivemos e vivemos escondendo aquilo que, timidamente, professamos.
Pela libertação na Morte e Ressurreição.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (8)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Pouco mais de vinte e quatro horas separam-no da sua nova missão apostólica na diocese do Porto.
Imagino o que serão estas últimas horas em Aveiro, antes de rumar, já no sábado, mais a norte. Ou melhor… acho que nem consigo imaginar. No entanto, é com especial satisfação que registo o facto de, ainda hoje, ser homenageado pela instituição que fez parte da minha formação académica e responsável pela paixão que nutro pela comunicação social: o ISCIA/Fedrave. Aliás, homenagem que não me surpreende por várias razões: pela forma como a sociedade aveirense se mostra grata ao seu “ainda” Bispo, e reconhecida ligação que o D. António Francisco sempre demonstrou ter pelo sector académico. Homenagem merecida, portanto.
Mas ao escrever-lhe hoje, com a tal coincidência referida, veio-me à memória as suas palavras recentes, aos microfones da Rádio Terra Nova no final do mês de março. Num espaço partilhado entre os programas “Conversas” e “Estado Social”, o D. António Francisco confessou (sim, porque os bispos também se confessam) algum receio pelo mediatismo a que poderá estar sujeito no exercício das novas funções episcopais, concretamente pela questão do mediatismo que o envolverá.
É verdade que hoje a sociedade, por mais crítica que seja em relação aos meios, é sedenta de informação e de conhecimento. Hoje, os processos comunicacionais são extremamente importantes para a estruturação social: o que não é noticiado, pura e simplesmente, não aconteceu. Mas puxando a “brasa à minha sardinha” (e porque de algumas sardinhas se fará, também, o seu episcopado, por força de fortes comunidades piscatórias, como por exemplo a de Matosinhos) a comunicação social tem o dom de saber projectar da realidade. E quando esta realidade tem como alicerces e fundações a humildade, a virtude, a proximidade aos outros, a coerência e a sabedoria, que são a imagem que Aveiro tem de si, D. António Francisco, todo o mediatismo terá o seu impacto positivo nas comunidades, nas famílias e em cada um individualmente.
Mas mais importante que a mensagem e o papel que a comunicação social possa ter na construção das realidades sociais, será a configuração que o D. António Francisco dará a sua missão apostólica como Bispo da Diocese do Porto. Uma Diocese (a segunda maior do país) com cerca de 3 mil quilómetros quadrados, constituída por 26 municípios pertencentes ao Porto, Aveiro e Braga, com uma dimensão populacional de quase 2,5 milhões de pessoas. Além disso, a realidade social afigura-se complexa, não só pela dimensão humana, mas pelos existencialismos que suporta: a indústria, a pesca, o comércio, o desemprego, a fragmentação familiar, questões da infância e juventude. Tudo numa Igreja só.
Mas uma Igreja, caro D. António Francisco, curiosamente, feita à sua “imagem e semelhança”. Uma Igreja tão vivida pelo próprio Papa Francisco desde há cerca de um ano.
Uma Igreja que, felizmente, começa a transformar-se; que começa, aos poucos, a espelhar a sua verdadeira (e única) missão evangelizadora; uma Igreja à imagem de Cristo, muito para além das regras, dos cânones, dos “templos”, do cinzentismo da Cúria; uma Igreja mais próxima da realidade, da vida, do dia-a-dia das pessoas, das exigências da sociedade.
É certo que para alguns esta transformação necessária da Igreja (aliás iniciada, há 50 anos, mas nem por isso, totalmente concretizada, com o Concílio Vaticano II) colide com um conservadorismo que é mais antagónico do que fundamento da verdadeira missão da Igreja: “Amar a Deus acima de tudo (mas tudo mesmo) e ao próximo como a nós mesmos”. Eram estes os únicos verdadeiros mandamentos de Cristo (os restantes surgem da "cosntrução dos homens", dos senhores das leis e dos templos). Uma Igreja, pela sua doutrina social, mais política, mais social, mais próxima. Como dizia o Papa Francisco, a propósito da exortação Evangelii Guadium: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
É esta Igreja que seguramente o verei construir na Diocese do Porto, apesar da dimensão e do “eventual mediatismo”. Uma Igreja mais perto dos que precisam, dos que sofrem, mais próxima das comunidades, das famílias, dos marginalizados e dos excluídos (principalmente os que a própria Igreja teima em excluir). Uma Igreja menos fechada nos “catecismos e nos códigos”, menos julgadora da fé e dos dogmas, menos juíza nos “confessionários”… mais libertadora e carregada de esperança. Até porque foi este o sentimento expresso pela maioria dos portugueses (católicos ou não) nas respostas ao inquérito sobre a família. Uma Igreja mais inclusiva, menos discriminatória, mais social, mais evangelizadora, mais próxima.
E a Diocese do Porto será, nas suas mãos, D. António Francisco, um exemplo desta Igreja renovada.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

segunda-feira, 17 de março de 2014

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (7)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
A semana que passou foi fértil em dualidades emotivas (ou emocionais). O Papa Francisco celebrou o seu primeiro ano de pontificado e registámos a perda de D. José Policarpo, patriarca Emérito. Mas houve igualmente um momento que concentrou, por razões óbvias, em si mesmo, esta dualidade emotiva (tristeza e regozijo): a Acção de Graças que a diocese promoveu como agradecimento, mais que justo, pelos sete anos de ministério episcopal que exerceu em Aveiro. Antes de mais, lamentar a minha ausência forçada por compromissos desportivos inadiáveis e inalteráveis. Recorrendo-me a uma imagem da nossa história política recente, atrevo-me a dizer: “foi bonita, a festa”. Bonita e, obviamente, merecida.
Para evitar exageros, repetições, correndo o risco de desvalorizar e trivializar estes últimos momentos da sua passagem pela nossa Diocese, não pretendo repisar as palavras, os sentimentos, o que vai na “alma” dos aveirenses. Tal como o D. António Francisco referiu logo no início do seu discurso de gratidão: “Este momento como compreendemos todos não é tempo para muitas palavras.” Embora eu ache que mais vale soltarmos o que nos vai na alma do que contermos a emoção. No entanto, há, na parte final do discurso de Saudação, proferido pelo Monsenhor João Gaspar, algo que importa relevar e destacar: “Sabemos que, apesar de, no dia 05 de abril, começar a exercer o ministério episcopal na diocese do Porto, não deixará de ser aveirense com os aveirenses!…”. Esta é uma certeza tão dogmática quanto aquela que nós, católicos, temos em relação ao “mistério da nossa fé”: a morte e a ressurreição de Cristo. Que na sua nova missão pastoral este dogma da igreja aveirense o acompanhe, seja nas alegrias, seja nas dificuldades. Sim… porque o caminho (mesmo o de Emaús) faz-se caminhando, mas com várias “pedras na calçada”. Saberá, melhor do que eu, que não será fácil caminhar sobre elas. Imagine, D. António Francisco, que as pedras criam de tal forma desconforto no caminhar, por mais belas que sejam, que em Lisboa, a autarquia, decidiu reduzir os espaços públicos com calçada portuguesa, tal é a dificuldade de mobilidade que origina. Mas tenha sempre essa certeza que a Igreja Aveirense não esquecerá estes últimos sete anos, nem o “júbilo da sua missão”.
Deste modo, do seu discurso permita-me a ousadia de o sintetizar naquilo que mais me tocou e que tão somente reflecte a real imagem pastoral e humana do “meu” Bispo: Perdão… Benção… Gratidão.
Caro D. António Franscisco, era escusado… Perdão é o que Aveiro (a sua Igreja e não só) tem de lhe pedir pelas vezes que não soube compreender o seu Bispo. Bênção e Gratidão é o que a Igreja Aveirense sentiu pela graça de ter tido, nestes últimos sete anos, um Bispo que soube acolher, estar e conduzir, na fé e pela fé.
Retomo as palavras finais do Monsenhor João Gaspar: “conte sempre com a nossa humilde (mas abençoada)oração”. Acredite, D. António Francisco (Bispo de Aveiro e do Porto), que pode partir com serenidade e confiança e olhar em frente com coragem e esperança, porque Aveiro estará sempre consigo.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

quinta-feira, 13 de março de 2014

A Igreja portuguesa de luto...

Faleceu o Patriarca Emérito, D. José Policarpo.
Pessoalmente não nutria uma especial ligação à pessoa do D. José Policarpo, bem como me distanciavam dele algumas das suas concepções sobre a Igreja e a Sociedade.
No entanto, reconheço, e sem qualquer tipo de constrangimento, a sua intelectualidade, a sua bondade e a sua proximidade com a base da Igreja. Aliás, uma eterna mágoa sua pelo facto de nunca ter tido a oportunidade de ter exercído o ministério paroquial.
Entre algumas afirmações e posições públicas polémicas e controversas, a verdade (e apesar disso) é que durante os 15 anos em que exerceu as funções pastorais de Patriarca (e, durante seis anos, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa) a Igreja Portuguesa tinha em D. José Policarpo a sua referência máxima, mesmo que para alguns católicos, como eu, ela não fosse tão significativa.
E para além do luto, é um facto que a Igreja Portuguesa e a sociedade ficou mais "pobre"... perdeu uma personalidade da sua história.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Mais do que a tristeza... o OBRIGADO.

No próximo domingo, 9 de março, terá lugar na Sé de Aveiro uma celebração de Acção de Graças pelo Ministério Episcopal de D. António Francisco na Diocese de Aveiro, ao longo dos últimos sete anos. Iniciam-se assim dois pontos altos (este e o agendado para 19 de março, na Universidade de Aveiro) de agradecimento público pelo episcopado em Aveiro do recém-indigitado Bispo da Diocese do Porto.
Foram várias as vozes que mostraram publicamente a sua surpresa, estupefacção e descontentamento pela decisão da Nunciatura Apostólica em Portugal (por mais que o Núncio Apostólico em Portugal, D. Rino Passigato, queira “descartar” a responsabilidade da decisão com a formalidade da assinatura papal).
É certo que “quem não se sente não é filho de boa gente” e é natural e legítima a indignação de muitos católicos aveirenses, resultado do desagrado e da mágoa que provocou a notícia da partida de Aveiro do Bispo D. António Francisco.
Mas sejamos, por um lado realistas e pragmáticos, e, por outro, racionais.
Realistas porque a decisão da nomeação de D. António Francisco é algo de normal num processo de pastoral da Igreja. A disponibilidade de um bispo para o episcopado, independentemente do contexto regional, deve ser total. Algo que vem do tempo de João Paulo II e reforçado no pontificado do Papa Francisco, no entendimento que o Papa tem em relação ao papel e missão pastoral de um Bispo na Igreja.
Aliás, situação idêntica em relação ao clero paroquial e às diversas nomeações e mudanças paroquiais de muitos Párocos, por decisão do Bispo, de qualquer diocese. O que aliás, embora respeitando as opções de cada um, torna um pouco inexplicável a audiência solicitada ao Núncio Apostólico, por uma parte do clero aveirense, na tentativa de reverter a decisão da nomeação.
E pegando precisamente neste aspecto, há ainda a vertente racional. Compreendo perfeitamente que haja quem, com toda a legitimidade pessoal, com muito mais proximidade e ligação ao D. António Francisco, se sinta mais desiludido e inconsolado que eu. A minha tristeza, o meu desgosto, valendo o que valem, já as testemunhei publicamente. A questão é que a demonstração pública da indignação e da revolta em relação à decisão tomada, mesmo que as possa entender e compreender, em nada ajudam, beneficiam e dignificam o “nosso” Bispo, D. António Francisco, contrariando, aliás, o que é o actual sentimento de tristeza da Igreja aveirense. A racionalidade que, às vezes, nos tem faltado deveria, apesar das circunstâncias (ou até mesmo pelas circunstâncias) encher-nos de orgulho, enquanto Igreja e enquanto agradecidos e reconhecidos pelo trabalho pastoral que o D. António Francisco realizou em Aveiro. Porque se gostamos mesmo do “nosso” Bispo só há, mesmo que na tristeza e no desalento, duas atitudes: primeiro, congratularmo-nos pelo reconhecimento do valor pastoral e humano do D. António Francisco, escolhido entre pares, pela sua dignidade, sabedoria, experiência, capacidade episcopal. Se assim não fosse, mesmo que para nosso gáudio, o D. António Francisco não seria nomeado Bispo da Diocese do Porto, com toda a dimensão social, regional, económica, política e religiosa daquela área comporta e exige; segundo, a Igreja aveirense (e os católicos aveirenses) só podem agradecer e celebrar a honra que foi termos tido a oportunidade de ter à frente do ministério episcopal aveirense um Bispo com a dimensão do D. António Francisco.
Tudo o que for em sentido oposto à alegria deste reconhecimento, afigura-se-me contraproducente, irrealista e em nada valorizador destes oito anos de episcopado aveirense do “nosso” Bispo. Mais do que a tristeza, a Diocese de Aveiro deve sentir-se grata e dar, de facto, Graças pelo Bispo que tivemos. Que mais não seja… pelo D. António Francisco.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (6)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Há algum tempo que não lhe escrevia. Nem de propósito… para uma despedida. Não sei, não acredito, apesar das circunstâncias futuras, que seja a última epístola. Não o será, certamente. Mas esta sexta carta tem um sabor “amargo”. Ou, se quiser, D. António, um misto de desgosto e de satisfação. Em todos nós, seja em que área for, a vida reserva-nos sempre “alguém” que nos marca, que é para nós referência. Sabe-o bem que, por múltiplas razões e circunstâncias, o D. António Marcelino foi (e ainda o é também) o “meu” Bispo. Nunca o escondi. Nunca lho escondi.
A verdade, caro D. António Francisco, é que há também sempre alguém que, mesmo em circunstâncias diversas, surge na vida que nos rodeia com uma capacidade (dom) ímpar: saber ser referência, tornar-se numa nova referência e marcar-nos igualmente, sem que muitas vezes saibamos como ou quando. A pouco e pouco, sem a pretensão de substituir ninguém mas sim de complementar alguém, o D. António Francisco foi tornando-se o Bispo de um aveirense crente (rara e preguiçosamente praticante, mas sempre crente mesmo que crítico).
Tal como o D. António Marcelino dizia, “a vida também se lê” (e este “ler” tem o sentido pleno da abrangência) … mas a vida tem o dom de ser generosa e madrasta. Generosa, ao permitir que alguém com uma humildade contagiante, com uma visão da doutrina social da Igreja muito particular, com uma capacidade apostólica distinta, um dignificante sentido pastoral. Madrasta, porque não há justiça quando, ao fim de cerca de 7 anos de episcopado os aveirense se veem privados do “pastor” que tanto acarinharam e tão bem souberam receber. Não colhe a expressão banal de que “ninguém é insubstituível”. Não colhe e não é verdadeira. Há, na vida, pessoas insubstituíveis. Poderão não o ser na função, mas serão, claramente, no desempenho e na missão. Se assim não fosse (e que me perdoe o Episcopado Nacional) a Nunciatura Apostólica teria optado por um outro Bispo qualquer para substituir o 75º Bispo da Diocese do Porto, D. Manuel Clemente. Mas não… tiveram de vir a Aveiro busca-lo a si, D. António Francisco. E não terá sido por acaso e, neste caso, nem acredito (passe a blasfémia) que terá sido “obra e graça do Espírito Santo”. Foi porque são indiscutíveis as suas capacidades pastorais para enfrentar os desafios de uma diocese com uma dimensão social, política, cultural e religiosa como a do Porto. Isso, por mais que nos custe a nós, aveirenses, é indiscutível e inquestionável. Se quiser… dogmático. O que não deixa de ser, obviamente, injusto. Sinceramente, não é algum eventual sentido de “traição” ou de “desrespeito” que alguns dos crentes aveirenses possam sentir por este seu sim à decisão da Nunciatura que me aflige. Sei que isso nunca esteve presente. No fundo, as “mudanças de casa” são, na vida pastoral do clero, o mais normal. O que me preocupa é que raramente a história se repete e renova os mesmos efeitos. E como eu acredito que há “insubstituíveis”, receio profundamente que o futuro crie um vazio na igreja aveirense. Perder, num período tão recente, dois Bispos não será fácil para a Diocese de Aveiro superar esta “travessia do deserto”. Ficaram em nós as suas marcas pastorais da Missão Jubilar, a celebração dos 75 anos da restauração da Diocese, os vários momentos diocesanos como as recentes jornadas de formação. Ficaram entre nós as suas marcas sociais com os mais desfavorecidos e excluídos, a relação com a juventude e a vida académica, o sentido da oração. Os aveirenses, D. António, viveram muitas horas consigo e saberão, apesar da mágoa, Viver (também) esta Hora! Dificilmente esqueceremos as suas palavras: “a Igreja deve ser lugar de esperança para o mundo e porta aberta aos que procuram Deus”. A Todos… independentemente da sua condição, da sua vivência, do quanto e como acreditam em Cristo e da forma como O vivem. Congratulo-me, caro D. António Francisco por levar para o Porto o mesmo lema episcopal que trouxe e viveu em Aveiro: In Manus Tuas. Significa que os aveirenses souberam dignificar a sua missão episcopal recebendo-o de mãos abertas e, ao mesmo tempo, depositando-nos nas suas mãos apostólicas.
A Diocese do Porto ganhou muito… mas não nos queiram convencer do contrário porque nós perdemos quase tudo.
Só não perdeu um “crente” que continuará a olhar (mesmo que mais longe) para o Seu Bispo.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Mensagem de Natal do Bispo de Aveiro

"Num tempo de povos sem pátria, de nações sem paz, de pessoas sem-abrigo, de lares sem amor, de famílias sem trabalho, de bocas famintas, de emigrantes dispersos pelo mundo e tantas vezes rejeitados e excluídos, de suicídios a aumentar, de violência a crescer e de desalento a bater à porta de tanta gente precisamos ainda mais do Natal de Jesus".
"Este advento quer ser caminho [caminhada das bem-aventuranças] iluminado pela luz da fé, pela força da esperança e pela presença de Deus (...)".
Para ler, a partir da excelente Mensagem de Natal do Bispo da Diocese de Aveiro, D. António Francisco: "Natal Jubilar".
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"Epístola" de um crente ao seu Bispo (5)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
O Texto do Evangelho da liturgia de hoje, do 4º Domingo do Advento (Mt 1,18-24), leva-nos a uma curiosa e interessante reflexão.
Com o aproximar do Nascimento de Jesus (o ponto alto do advento) são vários os textos bíblicos que misturam as realidades do Antigo e do Novo Testamento, recordam as profecias do advento e salvíficas (a chegada do Messias, o Filho de Deus, …). Mas o de hoje tem uma particularidade. Depois do anúncio do Anjo à Virgem Maria, da visita de Maria à sua prima Isabel, faltava a referência a alguém muito especial e singular neste “processo” adventista: “por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus e encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria. E Se fez homem.” (dizemos nós no Credo, aliás uma das orações mais ricas do catecismo da Igreja).
E é neste contexto que surge a particularidade. Em relação à Virgem Maria, que na sua humildade e serviço a Deus, aceitou como missão divina conceber, por força do Espírito Santo, e dar à luz o filho de Deus, o seu papel é perfeitamente compreensível: é a Mãe de Jesus, por força do mistério da Divina Trindade, é também a Mãe de Deus, a Mãe da Igreja e a Rainha dos Céus. Acompanhou todo o percurso de Jesus Cristo, desde que o concebeu até à sua Morte, Ressureição e subida aos Céus (“onde está sentado à direita do Pai”). Mas… e em relação a José? Sendo que Jesus já teria Deus como Pai, que papel reservar a José? Não seguiu o percurso de Cristo na Terra, “desapareceu” da narrativa evangélica após o nascimento (a visita dos Reis Magos), mas a sua breve história não merece ser tão secundarizada, nem marginalizada. À época, todos os desenvolvimentos teriam sido mais que suficientes para desencadearem um processo de rejeição social extremamente grave. Bastava, para tal, que José se tivesse negado à missão que Deus lhe tinha destinado. Mas José não soube/quis dizer “não”. Antes pelo contrário. Soube aceitar, mesmo com o sofrimento, o seu papel, proteger a família e proporcionar todas as condições (sociais, culturais e religiosas) para que nada prejudicasse a vinda do Messias. Mais… não só assumiu as suas responsabilidades como noivo e marido, mas assumiu o compromisso para com Deus: não ter receio dos desígnios de Deus, cumprir o seu papel e dar ao filho de Maria o nome de Jesus que significa “Jahwéh salva”. Um “sim” de José que significa a livre aceitação dos desígnios de Deus, o papel que cabe a cada um no processo de salvação individual e comunitária, e que só a Deus cabe julgar e avaliar a fé de cada um dos crentes (e não crentes). E este “sim” de José faz-me recuar um mês no calendário, até ao passado dia 24 de novembro, dia da publicação da Exortação Apostólica do Papa Francisco: Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho). Um magnífico texto, que serviria perfeitamente de base a um novo processo conciliar, onde o Papa Francisco recoloca a função da Igreja no mundo, devolve a essência da sua missão evangelizadora e redefine a estrutura da Igreja e o papel de cada um dos crentes. Tudo com um único e inquestionável propósito: servir os desígnios de Deus. Um Deus que salva, que perdoa, que liberta, que não exclui, nem condena. Tomara que a Igreja, a “vaticanocêntrica”, aquela mais preocupada com os princípios dogmáticos (que a ela própria criou) do que com a mensagem evangelizador e libertadora de Cristo, soubesse também ela saber dizer “sim” à maneira de José.
Um Feliz e Santo Natal...   Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sínodo dos Bispos- Inquérito online

Tal como referi na «"Epístola" de um crente ao seu Bispo (4)» o Papa Francisco enviou  a TODA a Igreja (e convida à sua participação) um documento preparatório, com um questionário com 39 perguntas, para servir de base de trabalho e informação para a III Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que se realizará em Roma já no próximo ano (Outubro de 2014). O sínodo reflectirá sobre "Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização".
O Documento já há muito que é conhecido e, apesar do seu impacto e da sua relevância, não é novidade no período pré-preparatório de um sínodo. No entanto, é evidente, por inúmeras razões, entre as quais se destaca o carisma que o Papa Francisco tem demonstrado, que existe uma notória vontade dos católicos (e não só) participarem neste documento, concretamente na resposta ao questionário.
Pena que nem todas as dioceses, aliás, nem a própria Conferência Episcopal Portuguesa, permitam uma distribuição do documento e recolha de respostas, de forma célere e alargada.
No entanto há, neste momento, uma forma eficaz dos católicos o poderem fazer.
A Pastoral familiar do Patriarcado de Lisboa disponibiliza o documento, o inquérito, e acrescenta algumas questões que achou pertinentes para o debate dos inúmeros desafios que se colocam à família (directa ou indirectamente). Qualquer cidadão poderá, desta forma, participar e dar o seu contributo.
Todo o processo está disponível AQUI.

domingo, 17 de novembro de 2013

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (4)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Tal como referi na minha terceira “epístola” e aproveitando o facto de se ter realizado, esta semana, a assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, é altura para falar sobre o Documento Preparatório da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos: “Desafios Pastorais da Família no contexto da Evangelização”. Não sei se conseguirei ser suficientemente curto, face à complexidade do tema, mas vou tentar.
Não surpreende (a não ser aos mais cépticos e distraídos) esta disposição do Papa Francisco para ouvir a Igreja e os Movimentos antes da realização dos Sínodos dos Bispos, em 2104 e 2015. Se há característica ímpar no Papa Francisco é a coerência dos seus actos. Desde que foi eleito sempre afirmou que «deseja dotar a Igreja Católica de uma “organização horizontal”, além da tradicional hierarquia vertical», já que a considera demasiado “vaticanocêntrica”. Não é, portanto, de estranhar que o Papa tenha enviado às comunidades este documento preparatório. Não é uma inovação, nem algo de novo, sempre que há um sínodo, mas, desta vez, é notória a atenção que a sociedade (crente ou não) tem dispensado ao documento. Até porque em julho deste ano o Papa Francisco tinha já lançado o desafio aos católicos – “Papa Francisco diz que católicos não devem temer reforma em estruturas da Igreja”, muito para além da polémica em torno do Banco do Vaticano ou da reforma da administração do Vaticano.
O Documento e o respectivo questionário não irão, por si só, alterar a doutrina dogmática da Igreja, nem os fundamentos canónicos existentes. E, apesar de todo o carisma deste Papa (inigualável após João XXIII) e duma clara mudança na visão da missão evangelizadora da Igreja, duvido que o Papa Francisco promova alterações ao catecismo católico vigente no próximo Sínodo dos Bispos. Mas há que louvar a atitude e a disponibilidade para ouvir as comunidades, as paróquias, os crentes, permitindo um claro alargamento de participação. Irão surgir, face à complexidade e polémica de algumas temáticas relacionadas com a família, pressões (lobys) de vários lados, com diferentes convicções e opiniões. Promover o debate e a reflexão conjunta só beneficiará o trabalho do Sínodo e melhorará a imagem da Igreja. Mas a questão poderá ser outra: estará a Igreja (desde a Cúria, ao Clero e aos fiéis) preparada para esse debate? Tomemos como ponto de partida esta afirmação do Papa Francisco, em Maio deste ano, a propósito da recusa de um pároco em baptizar a filha de uma mãe solteira: “Igreja não deve estar fechada aos pecadores”. Na homília numa Eucaristia celebrada na residência, em Santa Marta, o Papa Francisco, aludindo ao acontecimento, diria mais: “Isto não é zelo, isto é distância de Deus. Quando fazemos este caminho com esta atitude não estamos a ajudar o povo de Deus”, acrescentando que “Jesus instituiu sete sacramentos e, com este tipo de atitude, estamos a criar um oitavo, o sacramento da alfândega pastoral”.
Os desafios que a sociedade apresenta são, hoje, inúmeros e coloca a Igreja perante a necessidade urgente de encontrar novas respostas: a tipologia familiar (patriarcal, matriarcal, monoparental, homossexual); a sexualidade; a adopção; o aborto; o divórcio; o ‘recasamento’; os efeitos da emigração; a falta de emprego e a saída tardia (e o casamento tardio) dos filhos de casa dos pais; o papel dos avós; a realidade económica (desemprego, horários laborais, duplicação de empregos para fazer face às dificuldades financeiras domésticas); a igualdade de género (muito para além da abordagem ideológica que a Conferência Episcopal fez na semana passada); o papel da mulher na Igreja e na sociedade (incluindo a família); … . Muito para além da questão dogmática ou doutrinal. Ou, se preferirmos, também para além da questão dogmática ou doutrinal.
Caro Bispo D. António Francisco, pessoalmente, mais do que reconhecer ou definir o preceito do “pecado”, a Igreja deve repensar a forma como acolhe, inclui (em vez de excluir e rotular) e perdoa (por Cristo) os que pensam diferente, agem diferente, optam diferente, mas não se desviam de Deus ou caminham com e para Ele. Deve redefinir a forma como exclui (e remete para os últimos bancos das igrejas, capelas e catedrais, ou, simples e friamente, fecha as suas portas) os pecadores, os ‘rotulados’, os ‘diferentes’. Porque não pode um divorciado ou recasado comungar? Porque não pode uma mãe solteira baptizar o seu filho? Porque não pode um casal homossexual que adoptou, por amor, uma criança pretender que a mesma faça parte da comunidade cristã, baptizando-a, levando-a à catequese, possibilitando que cresça em Cristo (quantas vezes num ambiente familiar mais harmoniosos, pacífico, tolerante, com mais amor, que no caso de muitas famílias ‘normais’ que até vão à missa todos os domingos)? Que direito temos nós e tem a Igreja de julgar (substituindo Deus) uma mulher vítima de violência doméstica e que se divorciou, ou uma mulher vítima de violação e que abortou? Por acaso Jesus não se sentava à mesa com todos eles? Não era com eles que Jesus percorria todos os caminhos da Galileia e da Judeia?
D. António Francisco… Deus, a que tantas vezes nos referimos com Deus do Amor, teve, no acto da Criação, a maior prova de amor para com aqueles que criou à sua imagem e semelhança: a concessão da liberdade de opção de vida.
Na recente entrevista divulgada por várias revistas Jesuítas (entre as quais a portuguesa ‘Broteria’) o Papa Francisco critica o “moralismo” e o “legalismo” que dominam a Igreja, em vez desta se preocupar com colocar no centro da sua acção o Evangelho, sem andar obcecada com a homossexualidade, o divórcio e o aborto.
“Meu” caro Bispo D. António Francisco, a Igreja do sec. XXI não pode estar, como refere o Santo Padre, “amarrada” à sua história, porque a própria história da humanidade não é estanque mas sim dinâmica.
No ano em que celebra o cinquentenário do Concílio Vaticano II volto a formular a minha opinião, aliás por algumas vezes partilhada com o D. António Marcelino (principalmente aquando dos textos em que abordou o documento conciliar): o Concílio Vaticano II tem 50 anos, muito ficou por fazer e aplicar (por culpa da própria Igreja clerical e 'curiana’) e entretanto o mundo não deixou de “pular e avançar”.
Esta poderá ser a altura da Igreja se reformar, repensar a sua visão sobre o mundo e o Homem, aproveitar uma excelente oportunidade com este pontificado de ter um outro concílio. Repare, caro D. António Francisco, nas referências documentais que estão na introdução ao inquérito: a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” (a Igreja no mundo actual) data de 1965 (48 anos); a Carta Encíclica “Humanae Vitae” (da Vida Humana) data de 1968 (45 anos); e até o papa João Paulo II, em 1981 (há 22 anos), na Exortação Apostólica “Familiaris Consortio” (a família cristã no mundo de hoje), já afirmava, na introdução, que a família “tem sido posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade e da cultura”. Amplas, profundas e rápidas transformações que não pararam de “agitar” a sociedade e a vida de cada um de nós.
Na catequese semanal das audiências gerais de quarta-feira, no dia 16 de outubro, o Papa Francisco referia que “uma Igreja que se fecha no passado ou uma Igreja que se preocupa com o guardar das regras é uma Igreja que trai a própria identidade: apostólica”. Uma Igreja evangelizadora, aberta a TODOS os que procuram Deus, sempre
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

No Vaticano nada de novo... (ou tudo).

A notícia, embora possa ‘chocar’, não traz novidade nenhuma, nem é surpresa para muitos.
É por demais sabido e discutido, por muitos criticado, o mundo secreto da Cúria do Vaticano, a complexidade e a teia dos corredores do poder na Igreja, o tráfico de influências e de capitais que circula para além das colunatas da Praça de S. Pedro.
Se recuarmos algumas décadas (1978), encontraremos eco desta realidade bem antiga, no desfecho do curtíssimo e polémico pontificado de João Paulo I. Apesar das inúmeras teorias da conspiração que normalmente acompanham estes processos, importa referenciar o trabalho de investigação (sem ficção) plasmado na obra “Em Nome de Deus”, do jornalista David Yallop.
Deste modo, quando olhamos para o título do Diário de Notícias, da edição do dia 13 de novembro, (“Procurador [italiano] adverte que máfia pode tentar matar o Papa”) nada nos surpreende, mesmo que possa causar alguma apreensão.
Olhando para o que tem sido, desde a sua eleição até à data, este pontificado do Papa Francisco, por mais estranho que possa parecer, não serão este tipo de “alarmes” que irão condicionar as acções e a forma de estar e ser do “Papa que veio do fim do mundo”.
Esta é a “imagem” do Papa Francisco, o Papa que, após João XXIII, tem todas as condições para marcar um pontificado único e um ponto de viragem na missão da Igreja no mundo. Não serão as “pressões externas” que demoverão o Jesuíta e até há pouco tempo Cardeal Jorge Mario Bergoglio dos seus objectivos. Mais receosas serão as "pressões internas"...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (3)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Passado este 32º Domingo do Tempo Comum, o Evangelho lembrou-nos, na sua proposta litúrgica (Lc 20,27-38), o “mistério da nossa fé”: a morte e a Ressurreição. Deus olha-nos sempre pelo lado da vida, da eternidade (uma ‘nova vida’), da salvação, da Sua companhia e presença, do Seu Reino que não terá fim. E deverá ser nesta capacidade de nos envolvermos neste ‘mistério de fé’ que encontramos Deus e nos encontramos através de Deus. É pela condição de pecadores, de quem necessita e procura a salvação, que encontramos na Ressurreição uma ‘vida nova’, uma perspectiva renovada (em cada perdão) de caminho diário ao encontro dos outros e de Deus.
Nesta perspectiva, independentemente dos caminhos em comunidade e em comunhão, a fé (que só Deus consegue “medir”) é uma caminhada pessoal (mesmo que não isolada) numa relação directa do crente com (o ‘seu’) Deus.
Por isso só posso louvar a iniciativa do Papa Francisco em enviar à Igreja (clero, comunidades e cristãos) o documento preparatório (questionário) como base de trabalho para a próxima Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, em 2014.
Este documento, apesar de ligado às vivências da fé em família (deixarei a análise ao mesmo para outro tempo), coloca à Igreja novos desafios, novas realidades, um repensar de determinados dogmas e fundamentos sacramentais, do ponto de vista pessoal, de cada católico.
Há quem diga e defenda estoicamente que o documento não coloca em causa dogmas ou o sacramento do matrimónio, por exemplo. Mas a verdade é que os novos desafios que se colocam à família (nem todos negativos) têm a faculdade de colocar muitas e inquietantes interrogações aos cânones da Igreja.
Há quem afirme, de forma inabalável, que o “pecado” há-de continuar sempre “pecado”, não estando em causa o “pecador”. Em teoria, sim… Deus enviou-nos o Seu Filho para a salvação dos pecadores, dos que sofrem, dos injustiçados, dos excluídos. Mas também, pelo “mistério da fé” para a remissão dos pecados.
No entanto, não tem sido coerente e consistente o papel da Igreja (clero, comunidades e cristãos) em relação ao pecador. Só Deus pode “perdoar” e “julgar” (embora Deus, que é amor, tudo e a todos – os que assim o quiserem – perdoará e acolherá), não fazendo, por isso, qualquer sentido que a Igreja, as comunidades, os fiéis, sejam eles julgadores e juízes dos actos e dos pecadores. Infelizmente, é o que existe, de mais, na Igreja. A exclusão, o rótulo, a indiferença para os pecadores, os diferentes, as minorias, os “gentios”.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

sábado, 2 de novembro de 2013

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (2)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Este 31º Domingo do Tempo Comum, na sua proposta litúrgica (Lc 19,1-10), apresenta-nos a dimensão plena de um Deus que todos ama, sem excluir ninguém, nem os pecadores, os marginais ou os “impuros”.
No Evangelho (Lc 19,1-10), através deste “encontro” com Zaqueu – pecador, homem injusto, explorador dos mais fracos e dos pobres, fiel seguidor do Império Romano e de César – Jesus revela-nos a verdadeira missão do Filho de Deus e o porquê da sua encarnação na Virgem Maria: Jesus veio até aos homens para os libertar através da salvação. A todos sem excepção, mas particularmente aos que mais precisam: os pecadores, os impuros, os doentes, os pobres.
E é neste princípio que Cristo, através de Pedro, alicerçou a Sua Igreja. Uma Igreja aberta a todos, para, no corpo e sangue de Cristo e no Mistério da nossa Fé (na morte e ressurreição), nos libertarmos e salvarmos.
Quererá isto significar que apenas os pecadores, os impuros, os doentes, os pobres, terão a salvação e serão “bem-aventurados” conforme nos indica o Sermão da Montanha (“Bem-aventuranças”)? Se Deus a todos ama porquê a diferenciação? Porquê e para quê a santidade, a caridade, o cumprimento dos mandamentos e da mensagem de Cristo? Será o “homem puro” menos importante para Deus que o “homem impuro e pecador”, já que enviou o Seu Filho para salvar os pecadores e ter misericórdia para com os que sofrem?
A resposta está no essencial do texto do Evangelho (”Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa”. Ele desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria.). A diferença não está na nossa condição ou comportamento humano mas sim na nossa capacidade para “acolhermos Deus”, com as nossas virtudes, defeitos e pecados, com a nossa rectidão ou impureza. Aliás, as Bem-aventuranças, proclamadas por Jesus no Sermão da Montanha, são disso exemplo: podemos ‘chorar ou rir’, sermos ‘pobres de espírito ou cultos’, ‘sermos humildes ou virtuosos’,  sermos ‘puros do coração ou pecadores como Zaqueu ou o Publicano da liturgia da semana passada’… nada fará sentido se não soubermos assumir, verdadeira e inteiramente, em plenitude, com coragem e frontalidade, Deus nas nossas vidas (Bem aventurados sereis, quando vos insultarem, vos perseguirem, e disserem, falsamente, toda a espécie de mal contra vós por causa de mim). Assim, de corpo e alma, contra tudo e contra todos. Hoje, contra todos os indicadores estatísticos, a diferença já não está no facto de se ser ateu ou agnóstico. A indiferença em relação a Deus e à Fé é muito maior e está mais presente na sociedade. Hoje, ser-se assumidamente cristão é ser-se minoria.
Por outro lado, que Igreja temos hoje como espelho desse amor de Deus para com todos, sem excepção? Temos uma Igreja de todos e para todos? Inclusiva e que não marginaliza? Justa? Equitativa? Com as portas abertas a pecadores e cumpridores, a impuros e justos, aos que sofrem e aos pobres e àqueles que não sentem (ou sentem menos) dificuldades na vida? Ou temos uma Igreja preocupada com os “Fariseus”, os “Escribas” e os “senhores das Leis”, relegando para segundo plano os publicanos, os cobradores de impostos, os pecadores?
Quantos de nós (Igreja) somos capazes de ter disponibilidade interior suficiente para, tal como Zaqueu, querermos subir a um ponto alto e “ver” Deus?
Precisamos de uma Igreja à “imagem e semelhança” deste amor de Deus que salva e liberta, acolhendo a todos de igual forma.

Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

sábado, 26 de outubro de 2013

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (I)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
A proposta litúrgica para este 30º domingo do Tempo Comum coloca-nos, através do Evangelho (Lc. 18,9-14), perante uma dualidade comportamental. Sendo certo que “aos olhos” de Deus e Jesus Cristo somos todos iguais, também é verdade que a parábola do Fariseu e do Publicano mostra-nos a forma como nos devemos “encontrar” com Deus. Em confronto, estão duas atitudes: a do Fariseu, homem cumpridor dos mandamentos, das leis, das tradições, das regras, superior moral e religiosamente; e a do Publicano (cobrador de impostos), explorador dos mais fracos, da miséria e pobreza alheia, praticante das mais diversas injustiças e incumprimentos. Ou seja, alguém (Fariseu) que, aparentemente, não peca e outro (Publicano) que, pelo seu dia-a-dia, só se movimenta no pecado. Então porque é que Deus escolhe o Publicano? A verdade é que o Fariseu apresenta-se diante de Deus sem a humildade e o reconhecimento da sua condição humana. Apenas a altivez, a sua pretensa superioridade face aos outros, a sua indiferença perante os mais pobres e desprotegidos. O problema é que o Fariseu “exige” de Deus a salvação e não o reconhecimento da vontade e dos desígnios/destinos de Deus. Por seu lado, o Publicano, ao reconhecer-se como pecador apresenta-se perante Deus com toda a sua humildade e o reconhecimento das suas fraquezas, implorando o perdão e a ajuda divina. Até aqui, é fácil perceber a parábola que Jesus transmitiu e que S. Lucas descreve. Deus tem um especial carinho pelos humildes, pelos pobres, pelos marginalizados, pelos doentes e pelos pecadores; e que são estes na sua humildade e até no seu pecado, que estão mais perto da salvação, pois são os mais disponíveis para acolher Deus. Por isso é que envio o Seu filho para a salvação dos desprotegidos, dos frágeis, das crianças, dos pecadores, dos doentes… dos que verdadeiramente precisam da ajuda divina e da salvação.
Mas a questão pode ser (e penso que deve ser) transposta para outra realidade. E a Igreja? É esta a Igreja que temos hoje? Uma Igreja que, tal como defende o Papa Francisco, protege os humildes, os pecadores, os que se sentam no último banco da igreja, os que reconhecem as suas limitações e os seus fracassos? Ou, por outro lado, uma Igreja preocupada com as leis, as regras, os cânones, a tradição, a hierarquia e a sua estrutura? Será que temos, hoje, uma Igreja aberta aos que mais precisam, capaz de acolher os pecadores (os divorciados, os que tropeçaram nas armadilhas da vida, os que apenas são baptizados – ou nem isso, os que não comungam todos os domingos, os que não foram à catequese, as mulheres que abortaram, as mães e os pais solteiros, …), capaz de abrir as portas aos que procuram, na humildade, na simplicidade, no anonimato, na “sombra”, o ‘olhar’ atento e a misericórdia de Deus? Porque terá a Igreja de exigir aos seus fiéis e crentes aquilo que ela própria não cumpre? Esta parábola do “Fariseu e do Publicano” mostra-nos a imagem do Deus da bondade, do amor, da misericórdia, sempre disposto a salvar-nos, desde que cada um de nós aceite humildemente a oferta de salvação que Ele faz e não a que queremos/desejamos “impor”. Precisamos também de uma Igreja à “imagem e semelhança de Deus”.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Último Monólogo

Publicado na edição de hoje, 15 de outubro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Último monólogo
Na fé e na vida, D. António Marcelino, por razões diversas, foi marcando uma considerável parte do meu percurso de vida. Sucedendo a D. Manuel de Almeida Trindade (de quem resta apenas a imagem de infância), D. António Marcelino foi Bispo a quando da minha passagem pelo seminário, pelo grupo de jovens da Sé, pelos cinco anos no Secretariado Diocesano da Pastoral Juvenil, pelos três anos no Movimento Católico de Estudantes. Mas também pela relação familiar e pela presença constante, até bem tarde, no dia-a-dia (por mais espaço que fosse no tempo). A verdade é que D. António Marcelino, mesmo sem me aperceber, esteve sempre presente.
Sem qualquer demérito ou desconsideração por D. Manuel Almeida Trindade ou por D. António Francisco, a verdade é que, pelas razões referidas, pela marca que deixou, pela referência que foi, D. António Marcelino foi (é) o “meu” Bispo. Como, por diversas vezes, pública, a minha ligação com o bispo emérito foi sempre muito forte, com inegável estima, respeito e consideração. Nos bons e maus momentos, nos altos e baixos da vida.
Nem sempre estivemos de acordo, como por exemplo, em relação à “visão” da Igreja no que respeita à vida ou à família, em relação a Bento XVI. Mas, felizmente, foram mais os momentos e as visões comuns: ao papel, ainda por concluir, do Concílio Vaticano II; o mesmo sentimento em relação à missão da Igreja, à sua doutrina social e ao seu papel evangelizador; à sua intervenção política no mundo e nas instituições; à felicidade pela eleição do Papa Francisco. Mas também, sempre olhámos para o mesmo horizonte em relação ao peso da Cúria, à complexidade e meandros da estrutura da Igreja; à rigidez e inflexibilidade do direito canónico (ou da sua aplicação prática), embora aqui reconheça-se uma feliz alteração de convicções após o seu pedido de resignação episcopal. Muitas destas realidades foram publicamente partilhadas (sei que lidas) nos “Monólogos com o meu Bispo – na fé e na vida”.
Muito haveria ainda por partilharmos, mas, acima de tudo, muito (demasiado) ficou por aprender e apreender com a vivência, o crer e o saber do “meu” Bispo. Fica o sentimento do desapontamento do “monólogo” não escrito (seria o décimo segundo) em relação ao seu último texto publicado (18 de setembro), claramente em jeito de despedida, de quem sente o aproximar do juízo final e de partir, de um verdadeiro testemunho pessoal e de/da Fé (“Este amor chama-se Diocese de Aveiro – Ler a realidade social e a própria vida”). Foi neste princípio, nesta concepção da realidade social e da vida, que foi cimentada a minha relação afectiva com D. António Marcelino.
Agora partiu. Os elogios públicos são imensos e mais que merecidos, proferidos por quem “de direito”. Seria de todo abusivo da minha parte estar a sobrepor-me aos mesmos.
Pessoalmente, a Igreja (não apenas a de Aveiro) ficou mais pobre e o céu mais rico. Ninguém é insubstituível mas há, de entre todos, quem nos faça mais falta, por quem a memória e a recordação não terão sossego.
D. António Marcelino tinha como lema na sua nomeação episcopal: “Darei o que é meu e dar-me-ei a mim mesmo pela vossa salvação”. A verdade é que, de facto, deu durante uma vida inteira, concretamente a Diocese de Aveiro e os aveirenses que com ele privaram são disso testemunho. Mas também é verdade que D. António Marcelino recebeu muito da Igreja que “pastorou” e com isso foi igualmente enriquecendo a sua vida.
Para mim, de modo muito pessoal, fica a imagem do “meu” Bispo em cada gesto seu, palavra ou silêncio, espelhados na sua expressão: “a vida também se lê”… já que a morte apenas deixa saudades e vazio. E na “minha casa” morará sempre o meu Bispo.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Encíclica "Lumen Fidei"

Datada de 29 de junho, foi na passada sexta-feira, 5 de julho, que se ficou a conhecer toda a primeira encíclica do Papa Francisco.
Embora ainda com uma parte da responsabilidade do Papa Emérito Bento XVI, a tão aguardada publicação da primeira Encíclica (a principal publicação pontifícia, a par das Cartas Apostólicas) do Papa Francisco (a par das cartas apostólicas) tem a particularidade de se debruçar sobre o mais fundamental e básico no essencial da Igreja e dos crentes: a Fé. Não apenas porque estamos no Ano da Fé, mas porque o Papa Francisco, desde a sua eleição, foi-nos habituando ao regresso às coisas mais simples, mais importantes, mais significativas e, acima de tudo, às que devem estruturar e sustentar a Igreja e os fiéis: a plenitude da fé cristã e a busca de Deus.
Tal como aqui referi ("a sua devoção a Maria, mãe de Deus, de Jesus e da Igreja. Por um lado ao consagrar o seu pontificado a Nossa Senhora, mas também porque esta sempre foi uma das suas "marcas" ainda quando Arcebispo de Buenos Aires. Isso é patente, não apenas na devoção a Nossa Senhora de Lujan (Argentina) como por exemplo na compilação de textos de homilias, peregrinações, reflexões, e publicados no livro "O verdadeiro poder é servir". Aqui, aos católicos da Argentina, ao seu arciprestado (Buenos Aires), aos seus catequistas e ao clero, em cada texto, em cada homilia, o último parágrafo é sempre dedicado à Virgem Maria, não apenas como referência, mas sempre em jeito de oração e prece.") a par do inquestionável valor da Encíclica, de uma simplicidade de escrita e de uma proximidade aos crentes que revela a preocupação de que todos possam compreender e assimilar cada palavra, há ainda um pormenor que não pode deixar de ser referenciado.
Mais uma vez, o Papa Francisco termina um texto seu com uma especial referência à Virgem Maria.
A Encíclica "Lumen Fidei" não poderia fugir à "regra".

do Sumo Pontífice FRANCISCO
aos Bispos, Presbíteros e Diáconos, às pessoas Consagradas e a todos os Leigos
SOBRE A FÉ

terça-feira, 25 de junho de 2013

Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (11)

100 dias de renovação
Meu caro Bispo, D. António Marcelino
Faz mais de 100 dias que o "dia-a-dia" vai mais retirando, cada vez mais, tempos, serenidade, disponibilidade. Faz mais de 100 dias que não lhe escrevia, não por esquecimento mas, unicamente, por falta de oportunidade.
Quis o 'destino' (personificado no que quisermos entender como tal) que algo forçasse a este retomar o contacto consigo precisamente quando no final da passada semana, Papa Francisco celebrou os 100 primeiros dias do seu Pontificado.
Começo por estas breves palavras que serão publicadas na edição de amanhã, 25 de junho, do Diário de Aveiro.
«A marca no calendário dos “100 dias” é uma marca mítica que regista pouco mais de três meses de acção, por exemplo, de um Governo. Mas também significa, desde março deste ano uma nova era na Igreja Católica com os 100 primeiros dias do pontificado do Papa Francisco. Não se esperaria que um Papa que veio “do fim do mundo”, como fez questão de mencionar, arredado de todo o jogo de poderes da Cúria, ao fim de 100 dias tivesse revolucionado o Vaticano. Mas aquele jesuíta, com espírito franciscano, que tinha sido muito votado e renunciado ao pontificado no conclave que elegeu Bento XVI, teve, para já, um indiscutível mérito: revolucionou a Igreja. Uma Igreja que o Papa Francisco quer menos institucional, menos clerical, menos “curiana” (daí as pequenas mas importantes perspectivas de reformas internas que forma já providenciadas). Uma Igreja mais evangelizadora, mais próxima dos crentes e mais aberta aos não crentes, mais perto e preocupada com os que mais precisam, muito mais inclusiva e menos “castradora”. Mesmo que a muitos (clericais ou leigos) esta perspectiva de uma mudança histórica na Igreja (que vá, definitivamente, ao encontro do Concílio Vaticano II e da imagem da Igreja do carismático Papa João XXIII) custe a saída da zona de conforto, dos meandros do “carreirismo”, dos movimentos cinzentos da Cúria e da própria Igreja. Daí que o Papa Francisco (que os mais cépticos esperariam a queda do “pedestal”) tenha surgido, aos olhos de muitos crentes e de uma grande parte da estrutura da Igreja, com um carisma totalmente fora do habitual: um Papa muito próximo das pessoas, dos que precisam, com palavras e gestos simples mas que marcam, que distinguem, que tocam. Um Papa com um testemunho de vida muito forte e relevante. Um Papa que irá, com toda a certeza, renovar a Igreja e que marcará uma era no catolocismo pós João XIII mais determinante que a dos seus sucessores (Paulo VI, João Paulo I, mesmo João Paulo II, Bento XVI). Finalmente, após junho de 1963 “Habemus (sem qualquer margem de dúvida) Papam”.»
São inúmeros os gestos e as palavras simples mas marcantes, as quebras inocentes e sem quaisquer  segundos sentidos (mediatismo, culto da imagem, marketing) do protocolo apenas pela simplicidade e humildade da vida, o sentido de proximidade, a justiça, a solidariedade, a caridade, a evangelização.
Não seria, neste momento, fácil descrever tudo o que o Papa Francisco fez e disse. Aliás, será para si, caro Bispo, muito mais simples esse exercício de memória.
Há, no entanto, três aspectos que, na minha modesta opinião e de quem há muito esperava por esta renovação da Igreja (após o exemplo que foi João XXIII), marcaram profundamente estes primeiros 100 dias de pontificado do Papa Francisco, um Jesuíta que veio do "fim do mundo" com um coração de Franciscano.
Primeiro, logo no dia da sua eleição, quando no simples discurso na varanda do Vaticano pediu aos milhares de presentes na Praça D. Pedro que fizessem a coisa mais simples e que tantas vezes é esquecida: rezar a Oração (a primeira oração) e que Cristo ensinou aos Apóstolos (o Pai Nosso); a Avé Maria e o Glória ao Pai. Nada mais simples... nada mais inesperado, mas nada mais marcante.
Segundo, a visão que o Papa Francisco tema da Igreja. Não apenas a Igreja de Cristo, a dos pobres, dos excluídos, dos doentes, dos crentes, das paróquias, famílias, das comunidades, mas também a da sua estrutura e organização. Faz recordar a passagem de qualquer um dos Evangelhos quando Jesus "virou e expulsou os vendedores do Templo". É evidente que nada se faz hoje sem a presença da economia... infelizmente até para ajudar os mais necessitados. Mas economia não pode escravizar, dominar. Ou serve as pessoas e as comunidades, ou, ao servir-se destas, "demoniza", oprime e não liberta. E também uma Igreja aberta a TODOS, aos casados, aos divorciados, aos pecadores (recordemos o "lava pés" na casa de correcção e a uma jovem muçulmana), aos não crentes, aos que procuram Cristo, aos que desejam o baptismo (independentemente da sua condição)... uma Igreja de "Portas Abertas".
Por último, a sua devoção a Maria, mãe de Deus, de Jesus e da Igreja. Por um lado ao consagrar o seu pontificado a Nossa Senhora, mas também porque esta sempre foi uma das suas "marcas" ainda quando Arcebispo de Buenos Aires. Isso é patente, não apenas na devoção a Nossa Senhora de Lujan (Argentina) como por exemplo na compilação de textos de homilias, peregrinações, reflexões, e publicados no livro "O verdadeiro poder é servir". Aqui, aos católicos da Argentina, ao seu arciprestado (Buenos Aires), aos seus catequistas e ao clero, em cada texto, em cada homilia, o último parágrafo é sempre dedicado à Virgem Maria, não apenas como referência, mas sempre em jeito de oração e prece.
Caro D. António Marcelino. Paulo VI marcou o início do processo (ainda muito longe de se concretizar); João Paulo I, homem bom e justo (muito na linha de Francisco), deixou um pontificado curto e envolto em mistério; João Paulo II foi carismático mas displicente na preocupação com a estrutura da Igreja; Bento XVI, inteligente, mas extremamente dogmático, frio, fechado, distante. Finalmente, depois de João XIII podemos voltar a dizer... "Habemus Papam" como Cristo sempre pretendeu ao erguer a Igreja sob o Apóstolo Pedro.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (10)

Habemus Papam Franciscum
Meu caro Bispo, D. António Marcelino
Saiu fumo branco (à quinta votação). Temos novo Papa. O primeiro Papa sul-americano na história da Igreja.
O Conclave escolheu Jorge Bergoglio, arcebispo emérito de Buenos Aires, jesuíta, é o sucessor de Bento XVI. O Cardeal escolheu a simplicidade, mas a grandeza, do nome: Francisco.
Como lhe tinha dito no “Monólogo 8” tinha esperança que o Espírito Santo iluminasse o Conclave e a escolha recaísse sobre um dos cardeais (sem qualquer preferência) «Sul-Americano (pela pujança da Fé em Cristo que se vive no América do Centro e Sul e pela vivência/papel social da Igreja)». Não vou ter o ‘descaramento’ de lhe dizer que Deus ouviu-me… mas, caro D. António Marcelino, foi com algum regozijo que recebi a notícia da escolha de um cardeal sul-americano, ao caso, argentino. Mas para além disso, do ponto de vista das congregações, é muito interessante que a escolha tenha também relevado o facto do novo Papa ser Jesuíta.
Permita-me, meu caro Bispo, transcrever para este espaço partes da apresentação que a página oficial dos Jesuítas, em Portugal, faz da congregação:
“A Companhia de Jesus tem como finalidade geral a procura do maior serviço a Deus e à Igreja. A actividade dos jesuítas visa a evangelização do mundo, a defesa da fé e a promoção da justiça em permanente diálogo cultural e inter-religioso.
A finalidade particular da Companhia de Jesus para cada membro é que atinja a perfeição cristã numa identificação crescente com Jesus Cristo e que se dedique com a mesma intensidade à perfeição dos outros. Para tal, o caminho proposto é o da espiritualidade inaciana. Ou seja, um modo de viver, estar e trabalhar que estejam imbuídos da pedagogia e sabedoria espiritual”.
Mas o Espírito Santo, que iluminou este Conclave de março de 2013, deixou, permita-me a expressão ‘mundana’, uma forte mensagem à Igreja, com distintas leituras: uma Igreja mais viva mas mais simples/humilde; uma Igreja mais social e mais aberta ao mundo; uma mensagem clara a uma Europa que perdeu a sua identidade, a sua vivência na Fé; a escolha de um Cardeal com a experiência de vivência com os que sofrem, com os doentes, com a injustiça e exclusão social, mas com aqueles que mais cresceram com Cristo e em Cristo (o povo sul-americano). Além disso, não pode ter sido despropositada, nem ocasional, a escolha de um Papa não europeu, fora dos meandros da Cúria, que volte a colocar a Fé em Cristo no centro da Igreja e que, a partir dessa (re)evangelização do próprio cristianismo, possa surgir a tão necessária reforma (quem sabe um novo Concílio, como já lhe referi anteriormente) e abertura da Igreja ao mundo e aos seus fiéis.

Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

terça-feira, 12 de março de 2013

Monólogos com o meu Bispo - na fé e na vida (9)

O Conclave histórico…
Meu caro Bispo, D. António Marcelino
Chegou a hora da verdade.
Quando escrevo estas palavras (por manifesta falta de disponibilidade anterior) já a primeira votação no Conclave se procedeu, naturalmente (só um “milagre” alteraria a normalidade do processo) com “fumo negro”. É chegada a altura dos cardeais escolherem o sucessor do Bento XVI que, de forma extremamente surpreendente, alterou o normal decurso da tradição e resignou há cerca de um mês.
Excluindo as questões de saúde (não duvido que existam mas não foram, claramente, elas que influenciaram a decisão do agora Papa Emérito), as verdadeiras razões que pesaram na admirável e respeitosa opção tomada por Bento XVI são as mesmas circunstâncias que irão marcar a escolha do novo Papa e que estarão presentes no pensamento e nas convicções dos 114 cardeais recolhidos no Conclave: a reestruturação e reorganização da Cúria; a questão das finanças do Vaticano; a pressão que existe sobre a organização clerical (as questões da pedofilia, o celibato, a sexualidade, o papel das mulheres, etc.); a influência dos grupos de poder eclesial que resultam na fragilização da Igreja, também, enquanto estrutura organizacional. Mas acima de tudo, dois dos grandes desafios que a Igreja de Cristo não assistia desde o Concílio Vaticano II (e para os quais não se preparou, descurou-se, nem se preocupou): o incremento da Fé (nomeadamente nesta proclamado Ano da Fé) e a vivência em Cristo Ressuscitado, e a abertura da Igreja ao Mundo, actualizando-a, transformando-a, tonando-a mais viva, mais interventiva na sociedade e na vida dos homens.
Não sei se a primeira se deva sobrepor à segunda ou vice-versa. O que me parece óbvio é que a Igreja tem vindo a “perder” a Fé e a distanciar-se do Mundo. Os desafios de conseguir conjugar e conciliar a sua natureza espiritual (a Fé) com a sua missão evangelizadora (ligação à sociedade e ao mundo) vão ser imensos ao novo ciclo Pontífice.
Excluindo os “nossos” dois cardeais eleitores (e, em teoria, elegíveis) não conheço os restantes 112 cardeais reunidos no Conclave e, para ser sincero, não sendo um dos dois portugueses o escolhido, pela força do Espírito Santo, não tenho qualquer preferência pessoal, nem regional/geográfica. Até porque argumentos contra ou a favor (os pós e contras) existirão sempre na escolha que surgir do Conclave.
Se for um Cardeal europeu escolhido cairá sobre ele o peso de uma Europa velha, degradada, acabada, que perdeu os seus valores e o seu peso no mundo, que, dia após dia, vai perdendo fiéis, encerrando paróquias e igrejas, mosteiros ou conventos. Uma Europa que, mais que perder o sentido da fé, tem vindo a ser preocupantemente indiferente e apática a Cristo e à sua Igreja. No entanto, também poderá ser esse o estímulo para um pontificado que tenha a determinação de reconciliar a Igreja com a Fé dos Homens e do Mundo.
Se for um Cardeal africano terá a experiência e saberá o que é o sentido do sofrimento, da dor, da missão evangelizadora que a Igreja deve ter sempre presente. Terá contra si o fraco peso geopolítico que, por mais que queiramos desvalorizar, é extremamente importante para a Igreja e para o Vaticano, enquanto Estado que também é.
Por outro lado, a escolha de um Papa asiático teria o aspecto positivo da experiência da vivência em Igreja perseguida, minoritária, com forte missão evangelizadora. Mas terá contra alguma reticência e desconfiança com que o “Ocidente” ainda olha hoje, infelizmente, para o “Oriente”.
Resta o continente americano. Se a zona central e sul tem a seu favor o enorme crescimento da Fé e de crentes, uma região importante para a Igreja com a sua experiência libertador (Teologia da Libertação) e profundamente social e política, a zona norte (Estados Unidos e igualmente o Canadá) traz o peso geopolítico e a influência que exerce no mundo laico, mas também, perigosamente, nos meandros mais cinzentos e secretos da Igreja enquanto estrutura organizacional.
Posto isto, caro Bispo, resta-nos a única e mais valiosa resignação: que o Espírito Santo ilumine o Conclave e o colégio cardinalício de eleitores. A Santíssima Trindade saberá qual o melhor para a sua Igreja, tal como Cristo soube escolher Pedro.

Por Cristo, com Cristo e em Cristo.