terça-feira, 6 de maio de 2014

"Epístola" de um crente ao ‘seu’ Bispo (10)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Este domingo último, para além da celebração do Dia da Mãe (“retirado” ao antigo 8 de dezembro, data que seria mais católica), teve uma particularidade, do ponto de vista pessoal (entenda-se). A celebração litúrgica apresentou-nos, no Evangelho (Lc 24,13-35), a passagem que retrata o (re)encontro dos discípulos de Emaús com Cristo Ressuscitado. E digo particularidade do ponto de vista pessoal porque esta é a referência do Evangelho onde me inspirei para “titular” este espaço de reflexão próprio, onde vou depositando as cartas que, com todo o gosto, vou endereçando a si, D. António Francisco. Com esta veleidade de lhes chamar “epístolas” (no sentido de carta, missiva). Qual a razão de tão apego próprio a esta passagem dos Evangelhos (ao caso, o de S. Lucas), quando há tantas outras e tão, ou mais, valiosas mensagens? São três as razões, essencialmente.
Primeiro, a vida constrói-se caminhando também por caminhos com altos e baixos, com curvas, com pisos degradados e esburacados. Curiosamente, o caminho que os discípulos tomavam era precisamente o contrário onde os recentes “acontecimentos” tinham ocorrido (em Jerusalém, onde Cristo tinha sido sepultado e ressuscitado).
Segundo, todo o caminho que percorremos tem uma certeza: Cristo caminha ao nosso lado, mesmo que não O vejamos, mesmo que caminhemos em sentido contrário, mesmo que não O reconheçamos nas pequenas coisas, na calçada, em cada pedra ou curva. Mas Ele está lá sempre. É a “mão” que nos guia, mesmo no ‘escuro’ ou no caminho mais difícil.
Depois, é neste caminhar ao lado de Cristo que Ele se vai revelando, se vai dando a conhecer, se anuncia, a cada passo que damos, em cada gesto que fazemos e recebemos, em cada rosto com que nos cruzamos, a cada olhar que se cruza com o nosso, a cada palavra que proferimos.
De toda a mensagem dos Evangelhos, mesmo a mais catecúmena como as Bem-Aventuranças ou as mais dogmáticas como Última Ceia, a Crucificação e a Ressurreição, esta passagem dos Discípulos de Emaús é das que mais se aproxima com o nosso dia-a-dia, com o crermos ou não crermos que Cristo Ressuscitou para caminhar ao nosso lado, para que possamos contar sempre com a sua presença, com a sua libertação, com o seu perdão.
A Fé não tem medida, não tem escala, uma régua e um compasso, um fio-de-prumo para nivelar. A Fé tem vivências próprias, individuais, constrói-se na relação pessoal e na ligação que sabemos (como sabemos) ter com Cristo e com Deus, com mais ou menos manifestações comunitárias. Mas a Fé tem uma certeza: só é realidade e só se constrói se soubermos descobrir que Cristo caminha sempre ao nosso lado, seja qual for o caminho que nos leva a Emaús. Curiosamente, uma localidade que, supostamente, nem existia. O que significa que, mais do que um destino, será sempre um caminho sem fim, mas com um objectivo que cada um saberá delinear e estabelecer. 
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

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