domingo, 20 de abril de 2014

"Epístola" de um crente ao 'seu' Bispo (9)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Saudações fraternas em Cristo Ressuscitado.
Em fevereiro, na sexta “epístola”, a propósito do anúncio público da sua ida para a Diocese do Porto, escrevi, na parte final da carta: “não perdeu um “crente” que continuará a olhar (mesmo que mais longe) para o Seu Bispo”. Prometido é devido.
Este é o momento do calendário litúrgico mais expressivo e relevante na Igreja. Não menosprezando a importância do Advento e do Natal, é a Morte a Ressurreição de Jesus Cristo que simbolizam o paradigma da fé. Aliás, é a própria Eucaristia que nos lembra isso mesmo após a Consagração: “Eis o Mistério da Fé”. Se bem que o uso litúrgico da palavra “mistério” se me afigure como um paradoxo, já que a morte e ressurreição são as verdades e as realidades da nossa fé. São, simultaneamente, o fim e o princípio. O fim da missão de Jesus entre os homens (o processo de evangelização e salvação) e o fim da nossa vida terrena; e o princípio de uma “nova vida” em espírito (e com o Espírito Santo), com Deus (sentado à direita do Pai, no reino que não terá fim), com a Igreja (alicerçada nos primeiros apóstolos e nas primeiras comunidades). Mas a morte e a ressurreição são também o dogma da libertação e da salvação. Neste sentido, mais paradoxo se afigura a forma como a maioria (quase a totalidade) dos católicos vive esta quadra quaresmal e pascal. A Quaresma e a Páscoa - com a Paixão e a Ressurreição, o sentido comunitário da Eucaristia e a edificação, sobre Pedro, da Igreja - são motivos mais que suficientes para celebrarmos, com alegria, esperança e sentido de mudança, a liberdade e a salvação em Cristo. São razões mais que suficientes para, mesmo ao percorrermos o Calvário e vermos Cristo pregado numa cruz, nos regozijarmos, nos alegrarmos, deixarmos de viver este período com um cinzentismo injustificável, porque na libertação (através da Ressurreição) sabemos que Cristo estará sempre ao nosso lado, seja qual for o nosso “Caminho de Emaús”.
Bem sei, caro D. António Francisco, que, apesar desta alegria na libertação e salvação, o caminho (que se faz caminhando) não é fácil, não é direito, não é plano. Tem uma “cruz” pesada. E a dos últimos anos, para um significativo número de portugueses, tem sido bastante pesada. Permita-me, D. António Francisco, recordar um dos pontos altos da sua mensagem à Diocese do Porto: o combate urgente à pobreza, a solidariedade para com os mais necessitados. Sem demoras. Porque é esta pobreza; o desemprego; a emigração; as dificuldades porque passam milhares de famílias, as crianças e os idosos; a perda da dignidade humana; a degradação do tecido social; a desvalorização do valor e do papel do trabalho; são estas realidades que vão carregando a cruz de cada Quaresma e Páscoa que se vivem e se avizinham.
Daí que relembre, mais uma vez, quer a sua homilia na sua chegada à Diocese do Porto, quer na entrevista que concedeu à RTP2 e conduzida pelo camarada (no sentido profissional) João Fernando Ramos: os católicos têm o dever acrescido de se envolverem e responsabilizarem na sociedade e na política. Aos diocesanos do Porto, o “meu” Bispo exortou a serem mensageiros e protagonistas das Bem-Aventuranças, porque o Evangelho, a sua mensagem e os seus princípios, é tudo o que somos e vivemos enquanto católicos.
E se com esta certeza, mais a fé que nos emana da libertação e salvação presentes na Morte e Ressurreição de Cristo, os católicos fossem mais activos, mais responsáveis, mais presentes na sociedade e na política, garantidamente teríamos um mundo mais digno, uma economia mais humana, uma política e governação mais sociais. Teríamos uma realidade da vida garantidamente alicerçada nos quatro principais princípios da Doutrina Social da Igreja: a dignidade humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade. E mais uma vez relembro as suas palavras, D. António Francisco, “o Evangelho é tudo o que temos e somos”, para recordar os exemplos do Evangelho que ilustram a Doutrina Social da Igreja referidos por D. António Clemente, no livro “Diálogo em tempo de escombros”, partilhado com o jornalista José Manuel Fernandes: a parábola do “Bom Samaritano”, do “Filho Pródigo”, dos “Talentos”, entre outras. A razão da ausência dos católicos da vida social e política das comunidades e do país é que confrontados com a realidade da vida e com a Doutrina Social da Igreja (marcadamente de “esquerda”) refugiam-se no comodismo, no alinhamento com o sistema, no não assumir a condição de católico na sua plenitude, tal como Cristo a viveu desde as Bodas de Caná até ao Calvário: com os pobres, os marginalizados, os excluídos, os pecadores. Tal como muitos viraram as costas, O negaram, desviaram o olhar, mostraram-se indiferentes, perderam a fé e deixaram de acreditar, desde a condenação de Cristo até à sua cruxificação, passando pelo caminho até ao Calvário.
O problema é que professamos o que não vivemos e vivemos escondendo aquilo que, timidamente, professamos.
Pela libertação na Morte e Ressurreição.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

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