sábado, 26 de outubro de 2013

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (I)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
A proposta litúrgica para este 30º domingo do Tempo Comum coloca-nos, através do Evangelho (Lc. 18,9-14), perante uma dualidade comportamental. Sendo certo que “aos olhos” de Deus e Jesus Cristo somos todos iguais, também é verdade que a parábola do Fariseu e do Publicano mostra-nos a forma como nos devemos “encontrar” com Deus. Em confronto, estão duas atitudes: a do Fariseu, homem cumpridor dos mandamentos, das leis, das tradições, das regras, superior moral e religiosamente; e a do Publicano (cobrador de impostos), explorador dos mais fracos, da miséria e pobreza alheia, praticante das mais diversas injustiças e incumprimentos. Ou seja, alguém (Fariseu) que, aparentemente, não peca e outro (Publicano) que, pelo seu dia-a-dia, só se movimenta no pecado. Então porque é que Deus escolhe o Publicano? A verdade é que o Fariseu apresenta-se diante de Deus sem a humildade e o reconhecimento da sua condição humana. Apenas a altivez, a sua pretensa superioridade face aos outros, a sua indiferença perante os mais pobres e desprotegidos. O problema é que o Fariseu “exige” de Deus a salvação e não o reconhecimento da vontade e dos desígnios/destinos de Deus. Por seu lado, o Publicano, ao reconhecer-se como pecador apresenta-se perante Deus com toda a sua humildade e o reconhecimento das suas fraquezas, implorando o perdão e a ajuda divina. Até aqui, é fácil perceber a parábola que Jesus transmitiu e que S. Lucas descreve. Deus tem um especial carinho pelos humildes, pelos pobres, pelos marginalizados, pelos doentes e pelos pecadores; e que são estes na sua humildade e até no seu pecado, que estão mais perto da salvação, pois são os mais disponíveis para acolher Deus. Por isso é que envio o Seu filho para a salvação dos desprotegidos, dos frágeis, das crianças, dos pecadores, dos doentes… dos que verdadeiramente precisam da ajuda divina e da salvação.
Mas a questão pode ser (e penso que deve ser) transposta para outra realidade. E a Igreja? É esta a Igreja que temos hoje? Uma Igreja que, tal como defende o Papa Francisco, protege os humildes, os pecadores, os que se sentam no último banco da igreja, os que reconhecem as suas limitações e os seus fracassos? Ou, por outro lado, uma Igreja preocupada com as leis, as regras, os cânones, a tradição, a hierarquia e a sua estrutura? Será que temos, hoje, uma Igreja aberta aos que mais precisam, capaz de acolher os pecadores (os divorciados, os que tropeçaram nas armadilhas da vida, os que apenas são baptizados – ou nem isso, os que não comungam todos os domingos, os que não foram à catequese, as mulheres que abortaram, as mães e os pais solteiros, …), capaz de abrir as portas aos que procuram, na humildade, na simplicidade, no anonimato, na “sombra”, o ‘olhar’ atento e a misericórdia de Deus? Porque terá a Igreja de exigir aos seus fiéis e crentes aquilo que ela própria não cumpre? Esta parábola do “Fariseu e do Publicano” mostra-nos a imagem do Deus da bondade, do amor, da misericórdia, sempre disposto a salvar-nos, desde que cada um de nós aceite humildemente a oferta de salvação que Ele faz e não a que queremos/desejamos “impor”. Precisamos também de uma Igreja à “imagem e semelhança de Deus”.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

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