Debaixo dos Arcos
Último monólogo
Na fé e
na vida, D. António Marcelino, por razões diversas, foi marcando uma
considerável parte do meu percurso de vida. Sucedendo a D. Manuel de
Almeida Trindade (de quem resta apenas a imagem de infância), D. António
Marcelino foi Bispo a quando da minha passagem pelo seminário, pelo
grupo de jovens da Sé, pelos cinco anos no Secretariado Diocesano da
Pastoral Juvenil, pelos três anos no Movimento Católico de Estudantes.
Mas também pela relação familiar e pela presença constante, até bem
tarde, no dia-a-dia (por mais espaço que fosse no tempo). A verdade é
que D. António Marcelino, mesmo sem me aperceber, esteve sempre
presente.
Sem
qualquer demérito ou desconsideração por D. Manuel Almeida Trindade ou
por D. António Francisco, a verdade é que, pelas razões referidas, pela
marca que deixou, pela referência que foi, D. António Marcelino foi (é)
o “meu” Bispo. Como, por diversas vezes, pública, a minha ligação com o
bispo emérito foi sempre muito forte, com inegável estima, respeito e
consideração. Nos bons e maus momentos, nos altos e baixos da vida.
Nem
sempre estivemos de acordo, como por exemplo, em relação à “visão” da
Igreja no que respeita à vida ou à família, em relação a Bento XVI. Mas,
felizmente, foram mais os momentos e as visões comuns: ao papel, ainda
por concluir, do Concílio Vaticano II; o mesmo sentimento em relação à
missão da Igreja, à sua doutrina social e ao seu papel evangelizador; à
sua intervenção política no mundo e nas instituições; à felicidade pela
eleição do Papa Francisco. Mas também, sempre olhámos para o mesmo
horizonte em relação ao peso da Cúria, à complexidade e meandros da
estrutura da Igreja; à rigidez e inflexibilidade do direito canónico (ou
da sua aplicação prática), embora aqui reconheça-se uma feliz alteração
de convicções após o seu pedido de resignação episcopal. Muitas destas
realidades foram publicamente partilhadas (sei que lidas) nos “Monólogos com o meu Bispo – na fé e na vida”.
Muito
haveria ainda por partilharmos, mas, acima de tudo, muito (demasiado)
ficou por aprender e apreender com a vivência, o crer e o saber do “meu”
Bispo. Fica o sentimento do desapontamento do “monólogo” não escrito
(seria o décimo segundo) em relação ao seu último texto publicado (18 de
setembro), claramente em jeito de despedida, de quem sente o aproximar
do juízo final e de partir, de um verdadeiro testemunho pessoal e de/da
Fé (“Este amor chama-se Diocese de Aveiro – Ler a realidade social e a própria vida”).
Foi neste princípio, nesta concepção da realidade social e da vida, que
foi cimentada a minha relação afectiva com D. António Marcelino.
Agora
partiu. Os elogios públicos são imensos e mais que merecidos, proferidos
por quem “de direito”. Seria de todo abusivo da minha parte estar a
sobrepor-me aos mesmos.
Pessoalmente,
a Igreja (não apenas a de Aveiro) ficou mais pobre e o céu mais rico.
Ninguém é insubstituível mas há, de entre todos, quem nos faça mais
falta, por quem a memória e a recordação não terão sossego.
D.
António Marcelino tinha como lema na sua nomeação episcopal: “Darei o
que é meu e dar-me-ei a mim mesmo pela vossa salvação”. A verdade é que,
de facto, deu durante uma vida inteira, concretamente a Diocese de
Aveiro e os aveirenses que com ele privaram são disso testemunho. Mas
também é verdade que D. António Marcelino recebeu muito da Igreja que
“pastorou” e com isso foi igualmente enriquecendo a sua vida.
Para
mim, de modo muito pessoal, fica a imagem do “meu” Bispo em cada gesto
seu, palavra ou silêncio, espelhados na sua expressão: “a vida também se lê”… já que a morte apenas deixa saudades e vazio. E na “minha casa” morará sempre o meu Bispo.
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