quinta-feira, 3 de abril de 2014

"Epístola" de um crente ao seu Bispo (8)

Porque a vida também se lê…
Caro D. António Francisco
Pouco mais de vinte e quatro horas separam-no da sua nova missão apostólica na diocese do Porto.
Imagino o que serão estas últimas horas em Aveiro, antes de rumar, já no sábado, mais a norte. Ou melhor… acho que nem consigo imaginar. No entanto, é com especial satisfação que registo o facto de, ainda hoje, ser homenageado pela instituição que fez parte da minha formação académica e responsável pela paixão que nutro pela comunicação social: o ISCIA/Fedrave. Aliás, homenagem que não me surpreende por várias razões: pela forma como a sociedade aveirense se mostra grata ao seu “ainda” Bispo, e reconhecida ligação que o D. António Francisco sempre demonstrou ter pelo sector académico. Homenagem merecida, portanto.
Mas ao escrever-lhe hoje, com a tal coincidência referida, veio-me à memória as suas palavras recentes, aos microfones da Rádio Terra Nova no final do mês de março. Num espaço partilhado entre os programas “Conversas” e “Estado Social”, o D. António Francisco confessou (sim, porque os bispos também se confessam) algum receio pelo mediatismo a que poderá estar sujeito no exercício das novas funções episcopais, concretamente pela questão do mediatismo que o envolverá.
É verdade que hoje a sociedade, por mais crítica que seja em relação aos meios, é sedenta de informação e de conhecimento. Hoje, os processos comunicacionais são extremamente importantes para a estruturação social: o que não é noticiado, pura e simplesmente, não aconteceu. Mas puxando a “brasa à minha sardinha” (e porque de algumas sardinhas se fará, também, o seu episcopado, por força de fortes comunidades piscatórias, como por exemplo a de Matosinhos) a comunicação social tem o dom de saber projectar da realidade. E quando esta realidade tem como alicerces e fundações a humildade, a virtude, a proximidade aos outros, a coerência e a sabedoria, que são a imagem que Aveiro tem de si, D. António Francisco, todo o mediatismo terá o seu impacto positivo nas comunidades, nas famílias e em cada um individualmente.
Mas mais importante que a mensagem e o papel que a comunicação social possa ter na construção das realidades sociais, será a configuração que o D. António Francisco dará a sua missão apostólica como Bispo da Diocese do Porto. Uma Diocese (a segunda maior do país) com cerca de 3 mil quilómetros quadrados, constituída por 26 municípios pertencentes ao Porto, Aveiro e Braga, com uma dimensão populacional de quase 2,5 milhões de pessoas. Além disso, a realidade social afigura-se complexa, não só pela dimensão humana, mas pelos existencialismos que suporta: a indústria, a pesca, o comércio, o desemprego, a fragmentação familiar, questões da infância e juventude. Tudo numa Igreja só.
Mas uma Igreja, caro D. António Francisco, curiosamente, feita à sua “imagem e semelhança”. Uma Igreja tão vivida pelo próprio Papa Francisco desde há cerca de um ano.
Uma Igreja que, felizmente, começa a transformar-se; que começa, aos poucos, a espelhar a sua verdadeira (e única) missão evangelizadora; uma Igreja à imagem de Cristo, muito para além das regras, dos cânones, dos “templos”, do cinzentismo da Cúria; uma Igreja mais próxima da realidade, da vida, do dia-a-dia das pessoas, das exigências da sociedade.
É certo que para alguns esta transformação necessária da Igreja (aliás iniciada, há 50 anos, mas nem por isso, totalmente concretizada, com o Concílio Vaticano II) colide com um conservadorismo que é mais antagónico do que fundamento da verdadeira missão da Igreja: “Amar a Deus acima de tudo (mas tudo mesmo) e ao próximo como a nós mesmos”. Eram estes os únicos verdadeiros mandamentos de Cristo (os restantes surgem da "cosntrução dos homens", dos senhores das leis e dos templos). Uma Igreja, pela sua doutrina social, mais política, mais social, mais próxima. Como dizia o Papa Francisco, a propósito da exortação Evangelii Guadium: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
É esta Igreja que seguramente o verei construir na Diocese do Porto, apesar da dimensão e do “eventual mediatismo”. Uma Igreja mais perto dos que precisam, dos que sofrem, mais próxima das comunidades, das famílias, dos marginalizados e dos excluídos (principalmente os que a própria Igreja teima em excluir). Uma Igreja menos fechada nos “catecismos e nos códigos”, menos julgadora da fé e dos dogmas, menos juíza nos “confessionários”… mais libertadora e carregada de esperança. Até porque foi este o sentimento expresso pela maioria dos portugueses (católicos ou não) nas respostas ao inquérito sobre a família. Uma Igreja mais inclusiva, menos discriminatória, mais social, mais evangelizadora, mais próxima.
E a Diocese do Porto será, nas suas mãos, D. António Francisco, um exemplo desta Igreja renovada.
Por Cristo, com Cristo e em Cristo.

Sem comentários: